Impunidade e brechas na lei fazem crescer o número de reincidentes criminais em SC

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Foto: Leo Munhoz/ND

A extensa ficha criminal de Gabriel Boaventura, 24 anos, e William Luiz Correia, 25 anos, dupla responsável pelo assalto praticado em plena luz do dia na região Central de Florianópolis, na terça-feira (2), que deixou um morto e quatro pessoas feridas, trouxe à tona uma antiga discussão: como dois elementos, que juntos têm 137 passagens policiais, estavam em liberdade.

Boaventura, que morreu durante a tentativa de fuga, tinha 79 boletins de ocorrência contra ele, enquanto Correia, preso pela polícia, outros 58.

Na ficha criminal de Boaventura constam seis flagrantes e oito atos infracionais (cometido quando ainda era adolescente). Já o seu comparsa tinha quatro atos infracionais.

De acordo com a Polícia Militar, a dupla possuía boletins por tráfico de drogas, furtos, estupro e até fuga de presídio. Boaventura era morador da Papaquara, na região Norte da Ilha, comandada por uma facção criminosa.

Correia morava na mesma localidade e é suspeito de ter participado de dois assaltos, no dia 25 de julho passado, em Palhoça, onde também roubou um carro para fugir.

Levantamento obtido junto à Justiça catarinense aponta que os dois homens envolvidos no assalto, foram condenados pelos crimes anteriormente praticados, no entanto, cumpriam pena em regime aberto.

No caso de William, ele respondeu por cinco ações penais e foi condenado. O rapaz foi preso pela última vez em 2020, e em março deste ano teve o direito a progressão ao regime aberto, por preencher os requisitos legais da Lei de Execução Penal. Além disso, quando completou a maioridade foi preso em outras oportunidades.

Paz social

“O Estado tenta fazer a parte dele. A polícia faz a parte dela. Parece que tem uma parte fazendo muito bem o seu dever, mas a outra não. Esses delinquentes com um ‘currículo’ desse não eram para estar soltos nas ruas”, disse o analista em segurança pública, Eugênio Moretzsohn.

De acordo com ele, as escolhas individuais desses rapazes pesam em ações criminosas como ocorrida no Centro da Capital. “Por que eles não estavam filiados a um programa de qualificação profissional, um programa de auxílio financeiro? Eles querem a vida rápida, fácil, dinheiro no bolso”, pontuou Moretzsohn.

Para Moretzsohn, o cidadão também deve fazer a parte dele. “Quando o cidadão quer comprar um celular a R$ 100, ele sabe que o celular foi roubado de alguém. E ao querer levar vantagem ele está alimentando um círculo criminoso”, alertou.

Segundo ele, o brasileiro terá uma grande responsabilidade no próximo pleito eleitoral, que é escolher representantes que, realmente, lutem pela paz social, com programas efetivos para construir uma sociedade mais igualitária e mais justa.

O perito em criminalística e psicanálise forense, José Ricardo Bandeira, observou que um dos maiores problemas da segurança pública no Brasil e grande contribuinte para a manutenção dos altos índices de criminalidade é sem dúvida a ressocialização dos presos.

“Por via de regra as penas privativas de liberdade no Brasil têm como objetivo a ressocialização, ou seja, a implementação de medidas para que o preso possa voltar ao convívio em sociedade após o cumprimento de sua pena”.

Porém, na prática esta realidade não ocorre, pois as nossas estruturas prisionais tem como objetivo único o encarceramento indiscriminado, sem qualquer política ou método de ressocialização.

“Temos nos presídios brasileiros uma verdadeira ‘fabrica’ de criminosos, sendo os presídios dominados por facções e organizações criminosas, capazes de introduzir os novos detentos em sua estrutura”, avaliou.

Segundo Bandeira, por outro lado também existem dezenas de leis e benefícios que permitem ao preso ser solto antes de cumprir a sua pena, ou até mesmo nem serem presos, fortalecendo o velho ditado: “A polícia prende e a Justiça solta!”.

“Este fator contribui e muito para que detentos com diversas passagens pela polícia continuem em liberdade e continuem cometendo crimes”.

Crescimento de reincidentes criminais

A juíza Janiara Maldaner Corbetta, vice-presidente Associação dos Magistrados Catarinenses, reforçou que o Judiciário acaba sendo incompreendido em fatos como o ocorrido em Florianópolis.

“Às vezes os fatos não vêm de uma forma clara, acaba se criando fatos que não são verdadeiros. É muito difícil um réu reincidente ser solto. É muito difícil um juiz criminal soltar um réu reincidente, principalmente quando estava cumprindo pena”, destacou.

A magistrada frisou ainda que o juiz só pode manter uma pessoa presa desde que tenha pedido ou do delegado de polícia ou do promotor de Justiça. “Senão houver pedido o juiz criminal não pode decretar, de ofício, a prisão de uma pessoa”.

De acordo com Janiara, há um crescimento no caso de reincidência criminal no Estado. Ela salientou que deve existir um reforço nos projetos sociais de forma a possibilitar que esse regresso do sistema prisional não volte a criminalidade.

“Atualmente o que a gente ver é o aumento da reincidência. É uma discussão muito profunda, uma discussão de todo o sistema prisional. A pessoa entra no sistema prisional, e quando sai ao invés de voltar ressocializado, ele acaba reincidindo muitas outras vezes”, completou.

SC em terceiro

Em 2020, o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o programa Justiça Presente divulgaram o relatório “Reentradas e reiterações Infracionais — Um olhar Sobre os Sistemas Socioeducativo e Prisional Brasileiros”.

De acordo com o levantamento, 42,5% das pessoas com mais de 18 anos que tinham processos registrados em 2015 retornaram ao sistema prisional até dezembro de 2019.

O estado com maior índice de reincidência, com 75%, é o Espírito Santo. Santa Catarina ficou em terceiro lugar com 57,50%. Minas Gerais, registrou a menor taxa, com, 9,5%.

De acordo com a análise estatística realizada pelo Instituto Igarapé, os dois fatores que mais aumentam as taxas de reincidência são não voltar a morar com a família depois da experiência de privação de liberdade e ter praticado o primeiro delito na adolescência.

Ausência de trabalho também é uma variável que impacta a dinâmica de reincidência, mas como uma mediação entre as outras duas.

Provavelmente, porque aqueles que não têm uma família que possa recebê-los após a experiência de cárcere encontrarão maior dificuldade em obter um emprego, ainda mais se começaram a carreira criminosa cedo, acumulando uma grande quantidade de passagens pela polícia, mesmo quando muito jovens.

Por ND+