ENTREVISTA CARLOS MOISÉS DA SILVA

O governador Carlos Moisés da Silva, eleito como Comandante Moisés, começará nesta semana seu quinto mês de mandato. Vindo da vida com regras militares, uma vez que é coronel reformado do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, mantém a disciplina também à frente do Executivo estadual, para o qual foi eleito com mais de 70% dos votos. Logo no dia seguinte ao que foi eleito já tratou de montar o governo de transição, elencou nomes, deixou claro que não cederia a pressões partidárias e que manteria a promessa feita durante a campanha: um governo técnico.

Nesta entrevista de mais de 90 minutos, concedida em seu gabinete na Casa D’Agronômica ao trade da imprensa catarinense que fala com o interior do estado – Associação de Diários do Interior (ADI-SC), Associação de Jornais do Interior (Adjori-SC) e Associação Catarinense de Rádio e TV (Acaert) – Moisés contou um pouco do que tem feito e comemora algumas vitórias, como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar inconstitucional a elevação de 12% para 15% do percentual para a Saúde pública estadual. Para ele, uma decisão acertada diante de uma “ilegalidade sabida, anunciada e conhecida pela Assembleia Legislativa”, que classificou como “ato de populismo”.

O Moisés que recebeu o grupo de jornalistas estava muito mais seguro do que aquele que deu a primeira coletiva à imprensa logo depois da posse. Demonstrou dominar números e situações, expôs posições firmes, defendeu seus princípios e entre uma frase e outra não deixou de questionar a habilidade administrativa dos governos anteriores.

 

 

 

 

 

 

Reforma Administrativa

 

Tem projetos importantes do governo tramitando na Assembleia Legislativa. O principal deles é a reforma administrativa. Como o senhor avalia o andamento e como dar celeridade ao projeto?

 

Carlos Moisés da Silva – A avaliação é positiva, tanto na reforma administrativa quanto nos outros projetos, seja de incentivos fiscais, seja do duodécimo. No caso específico da reforma administrativa, são mais de 100 apontamentos (os deputados encaminharam 129 pedidos de esclarecimento), dúvidas dos deputados que estão sendo esclarecidas, inclusive nas audiências públicas. Até onde eu tenho acompanhado, a equipe de governo tem trabalhado de forma muito satisfatória ao responder aqueles pontos que eles têm dúvida.

Muitas vezes o deputado estava pensando em fazer uma emenda, uma alteração, e quando recebe a explicação do secretário de Estado, passa a entender o porquê daquele formato e alguns até estão recuando. Eu acho que esse é o momento do debate. Todas as contribuições dos deputados vão ser levadas para a equipe técnica. Eu não decido sozinho. Vou ouvir todos os lados e partir daí toma-se uma decisão. É o governador quem decide, mas só após ouvir quem trabalha em cada área. Cada setor afetado é ouvido e a gente reavalia.

 

Alguns deputados reclamam do pouco tempo para analisar a proposta.

 

Moisés – Há um regime de urgência, tem que votar em 45 dias. Nós não encaminhamos muitos projetos de lei, basicamente é só LDO e reforma administrativa, para que tenham condições de análise. É um prazo razoável, porque nós tivemos que construir isso a partir de 1º de janeiro. A minha expectativa era entregar em fevereiro, acabei entregando em março, ao mesmo tempo em que organizávamos o governo. Fizemos o projeto em dois meses, então é possível votá-lo em 45 dias. Se os deputados se debruçarem nos questionamentos e o governo responder rapidamente, é possível enfrentar esse prazo. E a gente quer trazer mais flexibilidade.

Um dos questionamentos é como se a reforma, por não tratar do segundo e do terceiro escalões, fosse um cheque em branco. Não é. A reforma traz todos os cargos que o governo poderá utilizar, inclusive com os salários. Tudo que gera ônus para o Estado está absolutamente amarrado na reforma. A demanda que existe em determinada gerência pode, daqui a dois ou três anos, deixar de existir. Está previsto um grande esqueleto, mas as minúcias têm flexibilidade, para não criar um governo engessado. Fora isso, o governo ficou muito mais transparente.

 

 

Outra crítica é em relação à falta de diálogo com servidores na formulação da reforma. Qual a sua avaliação sobre isso?

 

Moisés – O diálogo pode existir, mas nem todo diálogo resulta na boa vontade de todas as partes. O que fizemos foi tirar estruturas redundantes. Infraestrutura e Deinfra, por exemplo. Estruturas redundantes que não se comunicavam direito. A ideia é juntar para melhorar a gestão do Estado. A SOL com esporte, cultura e turismo, nós temos as estruturas redundantes da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), a Fesporte, a Santur.

Boa parte dessas propostas veio dos próprios servidores. É claro que não é unanimidade. Alguns são corporativistas, alguns têm receio de perder uma condição de conforto, estar sujeito a uma condição de trabalho mais assertiva, controlada. O que chega para a gente é que tem algum descontentamento em determinados setores, mas de forma isolada.

 

Por que diz isso?

 

Moisés – Os servidores públicos estão passando por uma fase que eles nunca viveram. Se vocês conversarem com alguns servidores, eles vão dizer ‘eu nunca imaginei que fosse ser ouvido para isso, eu nunca achei que haveria uma seleção para ocupar um cargo comissionado, nunca na história do governo houve isso’. Mas o nosso diálogo tem limite – inclusão de pessoal, despesa com pessoal. A gente dialoga até o limite legal, das boas práticas e da boa gestão. A maioria, a grande maioria, está apoiando essas mudanças.

Às vezes leio nos jornais sobre o Procon: ‘é uma pena o governo destruir o Procon’. No nosso governo o Procon será o mais forte de todas as unidades da Federação. É a intenção, é a nossa vontade política, só que não precisa estar escrito. Estrutura de governo passa também por uma questão de segurança. Como você vai governar? Com 71% dos votos, você vai governar do seu jeito. O governante tem o seu estilo. A reforma administrativa tem muito do nosso estilo de governar. Por isso entendo que precisamos do apoio dos deputados. O que a gente apresentou é o retrato de um modelo que este governador, que foi eleito por maioria absoluta, pretende adotar no Estado.

 

 

Relação com a Assembleia Legislativa

 

 

Como está construindo a base de apoio para aprovar a reforma?

 

Moisés – Nós temos recebido, diariamente, apoio de vários deputados e de blocos de deputados que nos procuraram. Inclusive, boa parte dos deputados eleitos nos apoiou no segundo turno. Chegamos a ter declaração de apoio à nossa eleição até pelo partido do meu oponente, no segundo turno. Pelo MDB, que é um bloco grande.

Não estou dizendo que isso define a posição do parlamentar, mas nós temos parlamentares que votaram no governador Moisés. Eles acreditaram que o governo ia mudar, eles não queriam o meu oponente no segundo turno. Eles queriam um governo novo, e agora eles têm. A Assembleia começou a trabalhar em fevereiro e há um equilíbrio de ações.

 

O senhor acredita que, no Legislativo, a reforma possa sofrer algum tipo de mudança que altere seus objetivos?

 

Moisés – Eu entendo que qualquer intervenção parlamentar na reforma administrativa não deverá resultar em grandes alterações que transmutem a natureza, a essência da reforma, que são a transparência, o autocontrole, enxugamento do Estado, o compliance, e também a redução de cargos. Acredito que nenhuma proposição de deputado venha desfavorável a isso.

E nós temos alguma proposição que pode ser útil, pode ser aceita. No governo que me antecedeu (Eduardo Moreira), toda a estrutura administrativa foi prevista por decreto. O que nós estamos fazendo hoje, de enfrentamento, de ‘parlar’ com os deputados, é um ato de transparência, de legalidade, e de trazer a população para o debate. Isso é diálogo.

 

Se vier alguma coisa que mude a essência da proposta, o senhor não efetiva a reforma?

 

Moisés – Eu efetivo a reforma sem esse item. O governo pode vetar o que transmutar a proposta, que vier a ofender os princípios da legalidade, da transparência, do enxugamento da máquina. O governo tem instrumentos para isso, tanto administrativos quanto jurídicos.

 

 

 

Índice para a Saúde: decisão do STF

 

 

O STF tirou a obrigatoriedade do repasse de 15% para a Saúde. Como o senhor vê essa decisão?

 

Moisés – A acertada decisão do STF nada muda na Saúde. O STF só corrigiu uma ilegalidade sabida, anunciada e conhecida pela Assembleia Legislativa, pela proposição do seu presidente à época. Um ato, talvez, de populismo, mas não pela Saúde de fato. Todo mundo sabia que era uma regra natimorta. O governo, hoje, tem as contas da Saúde como prioridade e trabalha com um Estado que está quase em calamidade financeira, como quase todos os outros estados, e trabalha para pagar suas dívidas.

Esses mesmos governos que disseram que se preocupavam com a Saúde e quiseram colocar 15% (como percentual mínimo sobre a arrecadação para a área), não honraram esses compromissos. Se tivessem aplicado 12% em Saúde (regra constitucional), não teríamos a herança de R$ 1 bilhão de dívida.

 

Então houve crime?

 

Moisés – Houve um desvio de finalidade. Ao invés de pagar fornecedor, que é um importante parceiro do Estado, o que eles fizeram? Preferiram deixar o dinheiro com os prefeitos, fazer uma média aqui, ali, em outra cidade. E deixaram a conta para o Comandante Moisés pagar. Como eu aprendi com a minha mãe e com o meu pai que eu não posso dar calote em ninguém, eu vou pagar primeiro a dívida desses governos anteriores.

Doutor Eduardo [Pinho Moreira] pagou uma parte dela, fazendo justiça aqui. Nós estamos corrigindo e já pagamos a maior parte dessa dívida. Nós tínhamos 700 credores e numa primeira talagada tiramos 500 deles. Pagamos os credores menores, de R$ 5 mil, R$ 10 mil, que era a grande massa. E agora estamos fazendo um cronograma para pagar as dívidas maiores, de R$ 12 milhões, R$ 15 milhões, credores fortes e importantes. Isso é investir em Saúde. Infelizmente, esses pagamentos não repercutem no orçamento da Saúde. Se somarmos tudo, na verdade vai passar de 18%.

 

Como reduzir a destinação de 15% para 12% e não prejudicar o setor?

 

Moisés – Tão logo a gente honre a dívida herdada, vamos continuar investindo em Saúde e mais do que os 12%, só que de uma forma realista. E também tem outro detalhe. Na Saúde, 12% bem gerenciados representam muito. Veja bem, numa única compra de oxigênio, reduzimos o valor de R$ 24 milhões, pagos em 2018, para R$ 12 milhões, agora em 2019, porque tiramos um atravessador. Essa é a diferença de fazer boa, honesta, sem fornecedor preferido e sem colocar intermediários. E mais, para um governo que é bom pagador, em geral, os preços começam a baixar.

A imprensa fez um alarde sobre a decisão do STF, justa, adequada e corretíssima. Mas quem faz boa gestão no Estado é o governo, não é o parlamentar. Não adianta o parlamentar ter uma ideia, se esse dinheiro for jogado no ralo da corrupção, se houver desvios. A nossa política é outra. Aplicar de fato aquilo que está disponível sem pessoas para se favorecerem. Não estou culpando A, B ou C, mas quando você compra a mesma coisa pela metade do preço, vocês hão de convir comigo que alguma coisa havia de errado.

 

A elevação do índice foi definida na Assembleia, depois de muito debate.

 

Moisés – O parlamentar que tem vontade de governar, tem que se candidatar a governador, certo? O orçamento feito de forma unilateral, o parlamentar dizer de que forma tem que ser usado o dinheiro sem a participação de quem está na gestão, não tem legitimidade, nem respaldo na Constituição. Foi isso que aconteceu. Só isso. Não somos contra a Saúde. Pelo contrário. O nosso movimento é para fortalecer a Saúde.

 

 

 

Redução do duodécimo aos poderes

 

Outro projeto que tramita na Assembleia prevê alteração no valor do duodécimo para os poderes. Mais polêmica?

 

Moisés – Não há surpresa na apresentação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Ela tinha prazo até o dia 15. Nós ouvimos os poderes, até aguardamos uma posição, mas como a data chegou, nós tivemos que apresentá-la. A sugestão de diminuição também não afeta a essência de nenhum desses órgãos e poderes porque ela foi calculada em cima dos percentuais. Não é 10% em cima do total do orçamento, é 10% em cima do percentual.

Então, quem recebia 2,4%, vai receber 2%, 2,1%. E esse cálculo foi feito basicamente em cima das sobras. Essa redução sequer zera as sobras, apenas as reduz em cerca de 50%. Em números absolutos, considerando o aumento da arrecadação do Estado, o orçamento é absolutamente o mesmo. Não houve redução de orçamento.

 

 

Na sua visão, os poderes e órgãos que recebem duodécimo não serão prejudicados?

 

Moisés – Se conseguir sobreviver a este ano com sobra, basta programar para 2020 que vai sobreviver também com sobra. Mas a proposta do governo é de que não se gaste, se economize um pouco mais, porque o Estado é um só. Por mais que tenha autonomia nos poderes, se o Estado de Santa Catarina quebrar, ninguém recebe. Nem os poderes. Não se tem orçamento seguro para nenhum poder. Temos que trabalhar juntos para economizar para o Estado.

Eu tenho certeza de que todos esses poderes também têm a vontade de caminhar conosco, de economizar. E aí o compromisso do governo Moisés e Daniela de que tudo que vier em recursos será bem aplicado. Aliás, esse é o nosso trabalho. As pessoas dizem ‘você precisa viajar mais, aparecer nas comunidades’. Eu estou tão preocupado com a gestão, que esse lado político fica em segundo plano.

 

 

A ansiedade por entregas: primeiras soluções

 

 

O senhor disse estar ansioso para “fazer entregas aos catarinenses”. Não está satisfeito com a velocidade das ações do governo?

 

Moisés – Primeiro tem a questão de como o Estado vai funcionar. Neste sentido, acredito que houve um bom avanço nos primeiros 100 dias. Foi exitoso o nosso início de governo, com o governo sem papel, Detran Digital, que a gente entende que é prioridade. Passaram pela pauta de outros governos e, mesmo sendo prioridade, não se conseguiu fazer. A respeito de estrutura, tem uma entrega interessante que é o alinhamento com os municípios. Hoje, os prefeitos acabam fazendo coisas que não é nem o papel deles.

Nos últimos anos, não se aplicou em infraestrutura e manutenção de rodovias como deveria ter sido aplicado. Tem várias demandas por infraestrutura em várias regiões do estado. Os prefeitos estavam pedindo: ‘governador, assina uma carta que eu até consigo fazer (a manutenção). Se eu não tiver um convênio, eu posso ser acionado por colocar dinheiro do município nesse sistema’.

 

Qual é a proposta, então?

 

Moisés – Fazer consórcios com as Associações de Municípios, com usinas de asfalto para cada região e que o Estado aporte dinheiro para os municípios trabalharem. Vamos nos aliar aos prefeitos. O nosso governo é um governo municipalista, porque um município forte é um Estado forte. Esse projeto de manutenção rodoviária vai trazer parcerias na forma de consórcio e foi aprovado por unanimidade pela Fecam (Federação Catarinense de Municípios). Vai cuidar da manutenção, da sinalização e da roçada. As obras estruturantes, maiores, a gente vai fazer através do governo do Estado com financiamentos.

Hoje, o Estado está impedido de contrair financiamento por causa da sua nota. A gente está trabalhando junto ao governo federal, solicitando que seja revisto esse conceito. Mas, independentemente disso, estamos buscando fontes alternativas de financiamento que não dependam da Secretaria do Tesouro Nacional. É um trabalho de saneamento geral, por isso estava ansioso para fazer entregas.

 

Quando a população deve começar a perceber os efeitos desses convênios com os municípios?

 

Moisés – No dia 9 de maio vamos apresentar o modelo dos consórcios para a Fecam e as associações. A reunião está programada e vai acontecer na sede da Defesa Civil. Aí vem a etapa burocrática para a formação dos consórcios. Vencido isso, de imediato já tem repercussão. O Estado poderá passar recursos para cada grupo de municípios, eles, com suas equipes, poderão começar as roçadas às margens das rodovias, poderemos reforçar a contratação de empresas privadas para a manutenção das rodovias, tanto as municipais quanto as estaduais.

As usinas de asfalto vão demorar mais. Teremos que pegar financiamento, licitar compras, esperar a entrega e a instalação. O resultado valerá a pena, porque o custo do serviço será reduzido em pelo menos 50%.

 

Cada município define suas prioridades? E como será o controle técnico?

 

Moisés – Da mesma forma que as nossas unidades fiscalizadoras da Infraestrutura atuam hoje com as prestadoras de serviços privadas, vão atuar com os consórcios. Assim como os gestores dos municípios.  Vão fiscalizar o andamento das obras, a qualidade, o valor. Os próprios municípios deliberam, entre eles, as prioridades. E os trechos estaduais sofrerão intervenção mais imediata de acordo com o grau de risco que apresentam.

Não interessa para o Estado ficar contratando várias empresas, fazer várias licitações, lidar com empresas que começam a obra e não terminam, o que tem sido uma constante em Santa Catarina. Se já temos exemplos exitosos desses consórcios, com a presença do Estado será mais exitoso ainda.

 

 

Situação financeira de SC: novos compromissos, novas fontes

 

Na coletiva dos 100 dias o senhor falou em recursos vindos do BNDES. Como está isso? E qual vai ser a destinação?

 

Moisés – São R$ 750 milhões do BNDES com contrapartida do Estado que vai elevar para R$ 900 milhões. A liberação se dará por projeto e não por pacote. E neste caso independemos da nota ou da condição financeira do Estado. O BNDES tem outra forma de cálculo para liberação. Os recursos serão destinados para obras de infraestrutura, como a recuperação da SC-401 (Florianópolis). Estamos apresentando em partes.

 

O Estado tem condições de pagamento de mais esse empréstimo?

 

Moisés – Temos já dívida importante. Fazemos a gestão do serviço da dívida, que não é pequeno. Soma-se aí uma projeção de déficit de R$ 2,5 bilhões, o déficit previdenciário, que nós complementamos, de R$ 3,8 bilhões… o déficit do Estado é realmente grande. Mas entendemos ter condições na medida em que o financiamento tenha prazo de pagamento alongado.

Aqui entra um detalhe importante: temos conversas com o governo federal em que entra o assunto reforma da Previdência. Mas os governadores, de forma praticamente uníssona, defendem que a reforma deve caminhar, mas que não se pode olvidar do socorro aos estados. O Estado perde dinheiro com a Lei Kandir, a securitização da dívida pode trazer dinheiro novo para os cofres, existem legislações que hoje são tabus e que os estados deixam de arrecadar…

 

Como assim?

 

Moisés – Há um medo de regulamentar os jogos e diversões, na internet, nos cassinos, mas eles continuam acontecendo. E o cidadão catarinense sai daqui e vai para o Uruguai, ou jogar em navio, ou na clandestinidade aqui dentro mesmo, sem recolher tributos. O que os países que têm esses jogos regulamentados fazem? Pegam o dinheiro dos tributos, às vezes com taxação de 70%, e investem em recuperação de dependentes químicos, de viciados em jogos, na Saúde, na Educação e na Segurança Pública. Quando o Estado fecha os olhos para essa realidade, faz de conta que ela não existe, deixa de arrecadar e o problema não se resolve.

Hoje temos muitos interessados em se instalar em Santa Catarina, principalmente no litoral, temos instrumentos de controle contra lavagem de dinheiro em tempo real! Mas sem regulamentação, tudo isso ocorre à margem e sem geração de tributos.

Reconheço que é um assunto polêmico, mas se o governo federal não quer regulamentar, então que encaminhe projeto de lei no Congresso dizendo que os estados têm liberdade para legislar sobre isso. Outra sugestão para trazer dinheiro para o Estado é o Plano Mansueto. De forma sucinta, o que Santa Catarina conseguir comprovar que economizou, o governo federal adianta 50% sobre esse valor, em dinheiro. São propostas que têm que caminhar junto com a reforma da Previdência pretendida pelo governo federal.

 

 

O que mais tem por vir neste sentido, de melhorar o caixa?

 

Moisés – Até junho, eu vou ter um retrato dos imóveis do Estado. Nós pagamos R$ 2,5 milhões por ano pelo aluguel de um edifício e temos outro, próprio, mas sem uso. Em junho, eu vou ter tudo isso georreferenciado. Vamos juntar essas informações e fazer parcerias, ou alienar esses imóveis. Só com a desativação das ADRs (Agências de Desenvolvimento Regional) nós estamos economizando R$ 1,5 milhão por ano em aluguéis.

Acho que isso define muito bem a minha ansiedade. É que eu tenho a consciência de que nesse tempo em que estamos aqui, conversando, o Estado perdeu milhares de reais pela má gestão que nos antecedeu, não de um governo, mas de vários governos. Nós vamos desfazer os nós deixados. É claro que tem um tempo para isso. Se nós tivéssemos a nota adequada, se não tivéssemos dívidas, se tivéssemos uma boa saúde financeira, nós já teríamos contraído novos empréstimos e estaríamos anunciando grandes obras. Minha ansiedade mora nisso aí.

 

 

Aumento de receita: arrecadação, incentivos, sonegação

 

E a expectativa de aumento da arrecadação, continua positiva? É seguro afirmar que há retomada da economia?

 

Moisés – Na questão do emprego, por exemplo, que é um indicativo importante, nós comemoramos os resultados. Até o final de fevereiro, geramos mais empregos formais do que em todo o ano passado. E a nossa arrecadação, que tinha uma projeção entre 8% e 9,5% de aumento, na comparação com igual período, chega a 12%, 13%. A expectativa ainda é boa para Santa Catarina.

Ainda temos um bom grau de confiança para quem pretende investir aqui, o que nos traz esperanças: fazendo os ajustes de gastos, alongando o pagamento da dívida, fazendo gestão sobre o serviço da dívida, que aumentou 35%, vamos continuar saneando cada vez mais o Estado, mas investindo. Investir em infraestrutura leva a arrecadar ainda mais em nossos portos, aeroportos, desde que superados os gargalos rodoviários também.

Ou seja, se mantivermos o ritmo de redução de custeio e aumentando a arrecadação, pode ser que não se confirme o déficit de R$ 2,5 bilhões ao final do ano. É para isso que estamos trabalhando.

 

 

Entra aí a questão dos incentivos fiscais?

 

Moisés – Certamente. Com esses incentivos, o Estado deixa de arrecadar R$ 6 bilhões. Não precisa cortar todos os incentivos, mas, diante de uma projeção de déficit de R$ 2,5 bilhões, é preciso buscar o equilíbrio. No esforço pela transparência, o Tribunal de Contas (TCE-SC) já tem o login e a senha para acompanhar todos os processos, o Ministério Público (MP-SC) já participa do Grupo de Trabalho que trata do assunto.

E já foram apresentados pelo menos três projetos de lei, vários setores já foram regulamentados, incluindo medicamentos para tratamento de doentes de câncer e de Atrofia Muscular Espinhal (AME). O mais recente trata do combustível para aeronaves. Estabelecemos critério, que não existia.

Se determinada empresa aérea usar até quatro aeroportos, pagam 17% de ICMS. Se voarem em cinco ou seis aeroportos, pagarão 12%. E as que voarem acima disso, vão pagar 7%. Antes, apenas uma empresa tinha a benesse de pagar 3%, sem uma explicação lógica ou qualquer critério. Vários outros projetos estão prontos para serem protocolados na Assembleia, mas só devemos encaminhar depois de vencidas as pautas da reforma administrativa e a questão dos duodécimos.

E outro aspecto que temos que enfrentar de fato é a sonegação. A estimativa é que, em Santa Catarina, sejam sonegados mais de R$ 10 bilhões por ano. Significa que nós tivéssemos um excepcional sistema de fiscalização e cobrança, não teríamos o déficit e ainda ficaríamos com sobra.

 

 

As idas ao governo federal

 

O senhor já foi algumas vezes ao governo federal falar da situação de Santa Catarina. Alguma evolução?

 

Moisés – Temos ido a Brasília para tratar das rodovias federais, pleitear. Conversamos sobre demandas de Santa Catarina com o ministro da Infraestrutura, com o de Desenvolvimento Regional. De alguma forma, e com o coro do Fórum Parlamentar Catarinense, estamos sendo atendidos, com sinalização de verba. Mas o cobertor está curto e temos que escolher obras prioritárias. Caso da BR-470, em situação que atrapalha o desenvolvimento, o escoamento das riquezas da região, e que traz muitos riscos para quem trafega por ali.

O governo está liberando R$ 35 milhões para a BR-282, um sinal de que essas obras não podem parar ou ficar no papel. O que temos pedido é que a 470 também não pare, que o governo continue reservando orçamento para que se conclua e depois se faça a concessão da rodovia. Insistimos sempre que essa obra tem que ser prioridade do governo federal.

 

A relação com o PSL e as eleições municipais de 2020

 

 

Como está a relação do governador Moisés com o PSL? Superados os traumas do primeiro momento?

 

Moisés – O partido em si teve problemas, é inegável. ‘Troca de presidente, não troca’… acabou que todos conversaram, houve uma mudança na Executiva estadual, que passou a ser composta por todos os deputados e mais o presidente Lucas (Esmeraldino), que não tem mandato e é secretário (secretário de Desenvolvimento Econômico). Partido é partido. Eu costumo dividir o governo do partido. Se aquela briga lá vier para esse ambiente aqui, quem vai sofrer é o cidadão. Apesar de eu ser do partido, a briga partidária tem que ficar lá, no partido. Por isso não pego a presidência do partido. Já estou na gestão do Estado e não misturo as duas coisas.

Tampouco existe a fórmula ‘quem é do partido tem cargo no governo’. Uma coisa não é consequência da outra. Vocês podem observar que temos cargos em primeiro escalão que talvez fosse o sonho de integrantes do nosso partido e de outros também. E não deixaram de pedir. Mas colocamos pessoas que, eventualmente, até estiveram ligados a partidos, entretanto, não foram escolhidos por isso, e sim pelas respostas que podem dar, pela capacidade técnica que têm. Caso também dos nomes que resolvemos manter, pelo reconhecimento ao trabalho deles (no governo anterior), o Paulo Eli (secretário da Fazenda) e o Leandro Lima (secretário da Administração Prisional e Socioeducativa).

 

 

Mas tem o secretário Lucas.

Moisés – O Lucas é a exceção. É uma pessoa que correu com a gente, fez mais de um milhão de votos, ajudou a fazer essa transformação de eleger dez deputados e um governador do PSL. Não poderia ficar de fora. E tem feito um trabalho muito bom.

Nessa semana eu estive na apresentação sobre os avanços e metas da secretaria e achei extremamente técnico o que ele trouxe. Tanto que teve uma servidora, que trabalha na Secretaria, que deu um depoimento muito importante: eles tinham um cargo comissionado e, ao invés de trazer alguém de fora, disseram ‘tem tanta gente boa que trabalha aqui, servidores da secretaria’. Então resolveram fazer uma seleção de títulos e provas para escolher quem ocuparia aquele cargo. O pessoal se emocionou, porque, antes, um deputado ia designar alguém para o cargo. E tem mais um detalhe. Foi escolhido o de maior pontuação, claro. O que ficou em segundo já disse que vai correr atrás para em uma próxima oportunidade pleitear a vaga. Trouxe uma motivação interna.

 

Hoje o partido está unido?

Moisés – O PSL catarinense está unido, organizado. Agora em 2020 teremos as eleições municipais e isso sempre traz divergências internas. É natural. Mas eu penso que tudo tem que ir para a votação: se lá em Joinville temos três candidatos, do PSL ou de uma eventual coligação, vai para votação. O partido decide. Uma vez decidido, o governo respeita.

O único recado que eu dou para todos do PSL é que eu não apoiarei nem um prefeito se esse sujeito não for republicano. Se tiver uma história de vida ruim, eles não contem comigo para apoiar. Só apoio se a pessoa for boa. Também não tenho preferências pessoais. Meu apoio será pela história de vida, pelo trabalho realizado, pelas atitudes. Se tiver alguma coisa que a ficha dele não seja limpa, mesmo que oficialmente o seja, não vou participar. Isso eu tenho deixado muito claro e falo abertamente.

 

 

O que mudou em sua vida agora que é governador?

Moisés – Minha vida mudou completamente. Deixei de correr na rua, que eu adorava (risos). Pedalava… agora estou resgatando um grupo para ver se consigo dar uma pedalada à noite. Sempre fiz muita atividade física, tanto que, sem o mesmo ritmo, minha cintura já deu uma arredondadinha (risos). Mergulhava, corria, nadava, fazia de tudo…

Também tenho sido mais privado da convivência familiar. Meu pai tem 86 anos. Então, eu tento estar com ele pelo menos uma vez por semana.

Encaro tudo isso como uma fase da minha vida e como uma missão. Governar Santa Catarina não tem que ser bom para quem governa. Tem que ser bom para quem mora aqui, para quem vive aqui no estado. Por isso eu me incomodo, me envolvo com todas as questões. Sou um governador chato! Chamo o secretário para conversar, quero estar a par de tudo, acompanho diariamente os votos de cada parlamentar, como eles votam, se votam com o governo ou por que não votaram com o governo, se é republicana a razão de não ter votado conosco.

Isso tudo me priva, obviamente, da minha vida pessoal. Os amigos costumam dizer que ela ficou pendurada em um cabide por um período… depois, espero retomá-la.

 

Um período que pode chegar a oito anos, no caso de uma reeleição?

Moisés – Se a legislação não mudar e eu estiver com vontade de me colocar à disposição para um novo período, não teria problema nenhum.

Entrevista feita em conjunto por Andréa Leonora (ADI-SC), Guido Schvartzman (Acaert) e Murici Balbinot (Adjori-SC)

 Fotos: Peterson Paul/Secom