Um balanço dos sete anos na presidência da Fiesc

Na próxima sexta-feira (10) termina oficialmente o período de gestão do industrial Glauco José Côrte à frente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc). Foram sete anos de trabalho para ajudar as indústrias catarinenses a superarem a crise, para mostrar as dificuldades de se alcançar níveis melhores de competitividade por falta de investimentos em infraestrutura no estado, para provar que investir na educação dos trabalhadores é o caminho para melhorar a produtividade, para envolver a sociedade nos desafios que se apresentam muito rapidamente, como a indústria 4.0. Nesta entrevista exclusiva que concedeu à reportagem da Coluna Pelo Estado, a última especial na condição de presidente da mais poderosa entidade do setor produtivo catarinense, Côrte conta o que espera de sua nova função, como vice-presidente Regional Sul da Confederação Nacional da Indústria (CNI), dos caminhos da Fiesc, que passará a ser presidida pelo empresário Mario Cezar de Aguiar, fala um pouco dos desafios do presidente que assumir o comando do país em 2019 e dos projetos pessoais que tem: “Vou ter mais tempo para dedicar à família. E, junto com a minha esposa, Silvia, vou me dedicar mais a trabalhos voluntários”.
 
 
[PeloEstado] – O senhor está encerrando sete anos na presidência da Fiesc. Como as indústrias de Santa Catarina, com a ajuda da Federação e da sua gestão, conseguiram passar pelo período mais difícil da crise econômica?
Glauco Côrte – Certamente nós tivemos o que os especialistas chamam hoje de período mais crítico, sobretudo os anos de 2015 e 2016, com início já em 2014 o forte declínio da economia. Em Santa Catarina, e se deve isso à indústria, nós conseguimos retardar o nosso ingresso na crise mais aguda e antecipar a nossa saída, porque já em 2017 nós crescemos 4%, segundo o Banco Mundial, contra 1% da média brasileira. E fomos um dos líderes na geração de emprego. Esta é uma característica de Santa Catarina: quando a indústria vai bem, a economia como um todo recebe esse benefício, esse fluxo positivo da indústria que alavanca o crescimento do estado.
O fator mais marcante deste período foi a atitude do industrial catarinense. Durante todo o meu mandato, fui muitas vezes às outras cidades, sobretudo nas regiões que têm sede da Fiesc, e nunca encontrei uma palavra de desânimo. Pelo contrário, o industrial dizia poxa, se o governo não atrapalhasse tanto nós seguiríamos em frente, nós temos vagas para trabalhadores que sejam qualificados. E isso continua assim. Estive há pouco no Vale do Itajaí e no Norte do estado, e a observação é sempre a mesma: as empresas têm vagas, mas precisa de trabalhador qualificado.

[PE] – Para a Fiesc, qual foi o momento mais difícil da crise?
Glauco Côrte – Nós tivemos um momento crítico quando nós ingressamos com muita disposição no Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Estávamos entre os cinco estados que mais investiram no programa. Investimos na preparação e na contratação de professores e, num determinado momento, lá por 2014, 2015, o programa cessou. O governo reconheceu que não tinha dinheiro suficiente para bancar esse tipo de programa.
No nosso caso, revelou certa dramaticidade, porque o Senai estava muito envolvido no Pronatec, o que nos obrigou a fazer um ajuste forte na nossa estrutura, com dispensa de professores. Acredito que tenha sido o período mais crítico. Tomamos muitas medidas de ordem interna, no sentido de ajustar as nossas contas, despesas e investimentos, e chego ao final do mandato podendo dizer que o Senai está com suas contas equilibradas. Houve uma grande compreensão interna, tivemos o apoio da CNI e conseguimos. Passamos pela fase mais difícil, o Senai recuperou sua capacidade financeira e as perspectivas para o futuro são muito boas.

[PE] – O que houve de interioriação da Fiesc em seu mandato?
Glauco Côrte – Por exemplo, já existia a figura dos vice-presidentes. O que nós fizemos foi de fato descentralizar a administração. Cada uma das 16 vice-presidências regionais passou a ter um escritório, com estrutura de apoio. Cada vice-presidente tem um assessor de imprensa para facilitar a comunicação. Nós queríamos fazer uma maior integração da Fiesc com a comunidade. A Federação era vista como algo distante do industrial, principalmente as pequenas empresas. Com esse avanço nas regionais, o vice-presidente passou a circular mais, com repercussão na imprensa. Tudo o que fazemos em Florianópolis tem que ser replicado nas 16 regiões. Se coloco um outdoor aqui, coloco nas 16 regiões. Se desenvolvo um programa específico, vai para as 16 regiões. Isso nos aproximou bastante da comunidade. Na verdade, antes de 2011 o que era conhecido era o SESI e o Senai. A Fiesc, não. Muitos desconheciam que Senai e SESI faziam parte da Fiesc e muitos chegavam a achar que nós éramos um órgão público. Mesmo no meio industrial! Fizemos todo esse esforço e o discurso de que fomos criados, somos mantidos e dirigidos pela indústria. A Fiesc e suas casas pertencem ao industrial. Isso nos ajudou a difundir mais as nossas missões comuns e em separado. As pesquisas que fazemos mostram que hoje já há uma compreensão maior.

[PE] – Além do reforço nos espaços voltados à tecnologia.
Glauco Côrte – Nós tínhamos dez Institutos de Tecnologia quando assumi. Reestruturamos, adequamos e equipamos e participamos do programa da CNI. O resultado foi que ficamos com três Institutos de Inovação, entre os 25 existentes no Brasil. Implantamos aqui também o Centro de Referência em Saúde e Segurança no Trabalho, um dos oito do país. E mantivemos sete Institutos de Tecnologia, com vocações regionais.

[PE] – O senhor alcançou as metas estabelecidas?
Glauco Côrte – Sempre se tenta estabelecer prioridades. A maior prioridade no momento em que assumi era criar condições para acompanhar a rápida transformação tecnológica que já vislumbrávamos. Com a indústria 4.0, mais essenciais do que equipamentos são as pessoas, o trabalhador qualificado. Miramos no trabalhador e não só no da indústria. Isso tem que permear toda a comunidade onde estamos instalados, porque é lá que o industrial vai procurar recursos humanos. Tratamos de requalificar permanentemente o trabalhador e de oferecer uma educação de melhor qualidade, principalmente técnica e profissional, para os nossos jovens. A partir dessa prioridade, nossos institutos passaram a fazer mais sentido. Queremos uma indústria competitiva e nossos institutos têm referência internacional, tanto que temos projetos de grandes empresas em andamento, o mais recente o do primeiro satélite 100% feito pela indústria nacional. É o primeiro caso no país!

[PE] – O que faltou fazer?
Glauco Côrte – Acho que um ponto sob nosso controle que poderíamos ter trabalhado um pouco mais, insistido um pouco mais, foi na qualificação das pequenas e médias empresas para a exportação. Houve um trabalho importante, mas que não alcançou o nível que desejávamos. Certamente esse trabalho vai ter continuidade na próxima gestão. Também fizemos o máximo possível no sentido de melhorar a competitividade das indústrias. Temos 50 mil empresas industriais em Santa Catarina. Como chegar a este universo? Fizemos muito, mas será preciso ampliar.

[PE] – Sai satisfeito?
Glauco Côrte – De modo geral, sim. Digo com sinceridade. Tínhamos quatro eixos estratégicos de atuação. Em cada um deles, fazendo um retrospecto, vejo que tivemos importantes avanços. Um deles era o Ambiente Institucional. Fizemos o Programa de Desenvolvimento da Indústria Catarinense, que se traduziu em masterplan que agora está sendo incorporado nos planejamentos regionais; lançamos a Agenda Estratégica, por região e por setor; com o governo do Estado, criamos o Invest SC, um projeto pioneiro, que não implicou em gastos públicos e já resultou em mais de R$ 2 bilhões de investimentos em projetos que conseguimos atrair para o estado; e tivemos ainda o estudo do Sul Competitivo, que reuniu os três estados em uma radiografia completa da infraestrutura regional, com propostas de ação e investimento. Posso afirmar que nessa área de infraestrutura nós temos os estudos mais completos de Santa Catarina. Infelizmente avançamos muito pouco, mas, por exemplo, o levantamento que apresentamos sobre a repercussão do atraso da duplicação da BR-101 Sul teve impacto, mostrou o que a região estava perdendo. A isso tudo soma-se a nossa atenção permanente à legislação federal, estadual, sempre com a visão de tornar o nosso ambiente mais favorável a investimentos, à geração de empregos.

[PE] – Quais os outros eixos?
Glauco Côrte –  Educação é um dos destaques. Quando assumimos, percebemos que apenas 49% dos trabalhadores da indústria tinham o ensino básico completo em 2011. Isso foi um choque! Todos temos a ideia de que Santa Catarina tem uma educação de qualidade e uma das melhores do país. Já estávamos antevendo as repercussões da indústria 4.0 e tratamos de criar um movimento para sensibilizar, mostrar ao industrial que o assunto educação é tão importante que não pode ficar só com o governo. Nós temos que nos responsabilizar por isso também! Tivemos êxito. Os dados mostram que em 2016 atingimos 59% trabalhadores com o básico completo na indústria. No geral, ou seja, em todos os setores, saímos de 60% para 70%. Quando se mobiliza a sociedade é possível terá mais rapidez. Em seis, sete anos alcançamos resultados expressivos.
Outro eixo é o de Inovação e Tecnologia, sobre o qual já falamos. Temos uma carteira de projetos importantes, com empresas de grande porte. Já trouxemos algumas empresas que colocam seus escritórios de pesquisa dentro dos nossos institutos para haver a verdadeira interação entre o nosso pesquisador e a demanda da indústria, seguindo o princípio de pesquisa aplicada.
O último eixo é Saúde e Segurança do Trabalhador. Fomos aos poucos afunilando a missão do SESI nesta direção. Estamos lançando o projeto de segurança no trabalho com sensores de locais de risco, que foi destaque até na imprensa nacional.

[PE] – O que mais se expandiu foi o da Educação?
Glauco Côrte – Sim. Tanto que começamos como Movimento Indústria pela Educação e hoje é Movimento SC pela Educação. Fomos ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que nos convidou para apresentar a iniciativa. Fomos a Boston (EUA) para apresentar o Movimento para um grupo de professores de Harvard. Fomos à Argentina também. Foi uma iniciativa que nos projetou nacional e mundialmente. Os demais eixos não tiveram o mesmo envolvimento que esperávamos e que conseguimos com o da Educação. Mesmo no setor industrial nós precisamos criar novas iniciativas para que o industrial saiba o que nós somos capazes de fazer. Nós somos capazes de ajudar a indústria. Embora tenha aumentado o nível de conhecimento e o nível de satisfação em relação à qualidade dos nossos serviços, ainda temos que fazer um grande trabalho de aproximação. Um projeto que certamente terá continuidade.

[PE] – Mirando agora no futuro, o senhor assumirá a vice-presidência Regional Sul da CNI. O que espera dessa nova etapa?
Glauco Côrte – Esta é uma função recém-criada. Ainda há definições faltando, desde o esclarecimento das funções até o local onde os regionais serão instalados. Mas certamente terei dois papeis: o de representação da CNI no Sul do país e outro, de âmbito nacional. Não vamos ficar restritos à região. Teremos delegações, missões e a responsabilidade sobre projetos que nos levarão a circular pelo país. As federações da indústria do Paraná e do Rio Grande do Sul nos deram uma acolhida muito boa, temos um ótimo relacionamento. Acredito que não terei dificuldades, até porque o objetivo é ajudar, facilitar, articular pelos pleitos de cada federação. Isso vai na linha do Sul Competitivo. Hoje é preciso ter um olhar regional. Uma rodovia, uma ferrovia, não se limita à geografia do estado. E não pode ser tratada de forma limitada.

[PE] – No que diz respeito à infraestrutura, Santa Catarina continua sendo o patinho feio do Sul do país aos olhos do governo federal?
Glauco Côrte –  Continua. Nosso estado não recebe a atenção que deveria receber. Se nós olharmos sob este ponto de vista, é patinho feio. Mas, se olharmos sob o desempenho da nossa economia, certamente nós somos o belo cisne branco. Nos últimos anos nós apresentamos desempenho superior à média brasileira e até dos dois estados.

[PE] – O senhor assume a nova função com algum desafio pessoal?
Glauco Côrte – A questão da infraestrutura para a região, sobretudo em Santa Catarina. Isso será crucial para definir o futuro do estado. Nosso custo de logística é mais alto que dos outros estados e que a média nacional. Eu costumo dizer que, hoje, as indústrias estão sobre rodinhas, ou seja, é fácil sair daqui para lugares mais vantajosos. A preocupação é grande, principalmente com o Oeste de Santa Catarina. Nossa agroindústria precisa ter uma decisão que a integre ao estado e aos principais centros consumidores. Nos próximos anos teremos que pautar a melhoria das condições das rodovias e a implantação da ferrovia, um dos fatores que não conseguimos avançar, apesar de todo o empenho da Fiesc e do Fórum Parlamentar Catarinense. Houve o esforço, mas não tivemos sucesso. Um assunto para o próximo governo. É urgente que se trabalhe mais com licitações, com concessões e parcerias público-privadas para atrair o setor privado para investir. O governo não tem recursos para isso.

[PE] – Já que o senhor entrou no assunto “próximo governo”, qual sua expectativa?
Glauco Côrte – Nós estamos em uma situação tão séria no país que, certamente, vai exigir decisões de bom senso, que não reflitam interesses pessoais, mas do Brasil e dos brasileiros. Isso diz respeito aos três poderes – Judiciário, Legislativo e Executivo. Nós temos duas questões fundamentais. Uma é a reforma da Previdência, no sentido de dar um equilíbrio às contas públicas, e a da simplificação tributária, para modernizar o nosso ambiente institucional. Outro problema que deve ser superado, e que hoje afeta muito na retração do nível de investimento, é a insegurança jurídica que ainda existe no país. Os investidores externos não entendem o que se passa aqui. Em todas as missões internacionais que fazemos há sempre a reclamação sobre a incerteza jurídica.

[PE] – E hoje nós vivemos em uma incerteza política também.
Glauco Côrte – Verdade. A discussão não está ainda no âmbito de plano de trabalho. Está no âmbito de assuntos populares, mas não aquilo que é importante para o país e que vai se refletir na sociedade. O país não pode continuar convivendo com o nível de desemprego que nós temos hoje, de quase 13 milhões. A queda que houve foi pela falta de procura. As pessoas não querem continuar gastando dinheiro à procura de emprego e voltar para casa sem nada. Mesmo os que estão empregados, aumentou muito o nível de informalidade. Nós sabemos que é uma solução gradativa, mas que não pode mais esperar que se façam grandes planos. Só conseguiremos gerar novos empregos através do retorno dos investimentos, públicos e privados. Com essas mudanças, o industrial voltará a investir. É preciso reduzir a burocracia e mudar o conceito que se instalou na sociedade de que o empresário é “bandido”, é “explorador”. Não! Quem investe corre risco, gera empregos, por vezes perde dinheiro. Aqui em Santa Catarina o nosso industrial está disposto a investir. Mas precisa ter clareza das regras e agilidade. Em qualquer país, quem se mostra disposto a investir R$ 50 milhões, R$ 100 milhões, R$ 200 milhões, é tratado como um rei. Aqui, ao contrário, espera quatro anos para ter o projeto aprovado! E ainda assim não desiste.

[PE] – Qual a orientação que o senhor está deixando para o seu sucessor, Mario Cezar de Aguiar?
Glauco Côrte – Como nós trabalhamos juntos nesses sete anos, não tenho nenhum segredo guardado na manga para passar ao Mario Cezar. Acredito que ele, que durante esse período foi o presidente da Câmara de Infraestrutura e Logística, vai continuar dando uma atenção especial ao tema. Ele me acompanhou a muitas regiões do Fórum Parlamentar, com ministros de Estado. Outra área que o Mario deve dar prosseguimento a iniciativas que estão em curso é a de exportação e internacionalização, incluindo as pequenas e médias indústrias. É um projeto que precisa de mais atenção.

[PE] – O que o senhor deixou de fazer durante o período em que esteve na presidência da Fiesc e que pretende retomar agora?
Glauco Côrte – Vou ter mais tempo para dedicar à família. E, junto com a minha esposa, Silvia, vou me dedicar mais a trabalhos voluntários. Eu tive que suspender durante esses sete anos, mas é uma área que vamos retomar. Durante 12 anos a Silvia foi presidente do Educandário Santa Catarina e ajudei muito. Mas depois que assumi a Fiesc ficou mais difícil. Temos uma atuação na nossa Paróquia da Santíssima Trindade, na Trindade (bairro de Florianópolis). Mas não vou deixar de trabalhar. Sou conselheiro em várias entidades e vou ter mais tempo para me preparar, estudar mais, ler mais.

[PE] – Algum hobby?
Glauco Côrte – A leitura. Gostava de pescar, mas há anos que não pratico. Agora meus passatempos são ler, escrever e caminhar. E o convívio com a família e os amigos. Vou enriquecer um pouco essa parte da minha vida. Imagino que a vice-presidência da CNI será uma função mais leve do que a presidência da Fiesc.