Na cr\u00f4nica\u00a0Pertencer<\/i>, publicada no livro “A descoberta do mundo”, Clarice reconta de forma po\u00e9tica o mais tenro desejo de uma pessoa, aquele trazido do ber\u00e7o, dos tempos em que bra\u00e7os esticados buscam um enlace, o do pertencimento. H\u00e1, no entanto, a quem esse desejo \u00e9 recusado, como uma carta reenviada ao remetente.
\nEntre janeiro de 2016 e junho de 2017, exatas 192 crian\u00e7as foram devolvidas por candidatos a ado\u00e7\u00e3o em Santa Catarina. Das 63 que depois de experimentar conv\u00edvio familiar tiveram que retornar para abrigos, seis estavam com processos de ado\u00e7\u00e3o conclu\u00eddos. Uma triste realidade identificada pelo Conselho Nacional de Justi\u00e7a (CNJ).
\nDados d\u00e3o conta de que no ano passado 1.991 pequenos brasileiros foram reconduzidos \u00e0s institui\u00e7\u00f5es. Ainda que imprecisos, muitos s\u00e3o os motivos. O maior, e inequ\u00edvoco, \u00e9 a falta de constru\u00e7\u00e3o de la\u00e7os afetivos.
\nFazer voltar uma crian\u00e7a \u00e9 uma situa\u00e7\u00e3o espinhosa. Menina ou menino que vai para ado\u00e7\u00e3o carrega a marca de alguma viola\u00e7\u00e3o. Foram encaminhados para institui\u00e7\u00f5es por maus-tratos, neglig\u00eancia, abuso sexual, morte dos pais.
\nO regresso tende a renascer nelas as marcas dos dissabores.
\nOs n\u00fameros do CNJ revelam uma balan\u00e7a injusta. Para esses quase 2 mil brasileirinhos devolvidos no ano passado, 1.715 foram adotados. Em Santa Catarina, a diferen\u00e7a tamb\u00e9m pesa: 68 foram adotados, apenas cinco a mais do que os 63 devolvidos no mesmo per\u00edodo.
\nProporcionalmente, \u00e9 maior o n\u00famero de crian\u00e7as que consegue se manter na fam\u00edlia adotante. Mas h\u00e1 casos em que elas passam por uma, duas, tr\u00eas fam\u00edlias.
\nTodos os estudos acerca do tema descrevem uma surra emocional. A crian\u00e7a devolvida sofre novo abandono e enfrenta mais uma vez a ruptura de v\u00ednculos – diz Sabrina Suzin, assistente social forense em Rio do Sul, cidade de 66 mil habitantes no Vale do Itaja\u00ed a 190 quil\u00f4metros de Florian\u00f3polis.
\nComo reparar o dano psicol\u00f3gico, afetivo e moral numa crian\u00e7a que j\u00e1 carrega um hist\u00f3rico de perdas? Al\u00e9m do dano material, j\u00e1 que ao retornar para o abrigo ela deixa na casa onde estava bens e conforto que n\u00e3o estar\u00e3o mais dispon\u00edveis.
\nPara a assistente social, a quest\u00e3o n\u00e3o \u00e9 a repara\u00e7\u00e3o em si. Mas que equipes t\u00e9cnicas do Judici\u00e1rio ofere\u00e7am acompanhamento terap\u00eautico s\u00e9rio e comprometido que d\u00ea \u00e0 crian\u00e7a a possibilidade dela ressignificar o acontecimento.
\nA marca vai ficar na hist\u00f3ria dessa crian\u00e7a. Mas a ressignifica\u00e7\u00e3o poder\u00e1 fazer a diferen\u00e7a na vida dela.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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