<\/p>\n

\u201cA dor destas fam\u00edlias \u00e9 a nossa dor tamb\u00e9m. A gente quer que estas pessoas finalizem um ciclo\u201d, afirmou o capit\u00e3o do Corpo de Bombeiros Leonard Farah, refor\u00e7ando que a opera\u00e7\u00e3o em Brumadinho s\u00f3 termina ap\u00f3s a identifica\u00e7\u00e3o de todas as v\u00edtimas do rompimento da barragem da Vale em C\u00f3rrego do Feij\u00e3o. Neste s\u00e1bado (25), a trag\u00e9dia completa quatro meses, e a maior opera\u00e7\u00e3o de resgate do Brasil segue ininterrupta. De acordo com o \u00faltimo boletim, 241 mortos foram identificados e 29 pessoas continuam desaparecidas.<\/p>\n

Capit\u00e3o Farah \u00e9 um dos 1.850 bombeiros militares de Minas Gerais e de outras partes do pa\u00eds j\u00e1 passaram, em sistema de rod\u00edzio, no resgate de Brumadinho. Com 15 anos de experi\u00eancia, sendo nove no Batalh\u00e3o de Emerg\u00eancias Ambientais e Respostas a Desastres, ele tamb\u00e9m atuou em Mariana, e, em mar\u00e7o, fez parte do grupo dos militares mineiros que foram enviados \u00e0 Mo\u00e7ambique.<\/p>\n

De volta ao Brasil, o militar, que tem mestrado em engenharia geot\u00e9cnica em desastres e especializa\u00e7\u00e3o em Gerenciamento de Desastres, no Jap\u00e3o, agora se dedica a analisar os n\u00fameros e locais onde os corpos e segmentos foram encontrados para tentar otimizar as buscas tanto tempo depois do desastre.<\/p>\n

A inten\u00e7\u00e3o de Farah \u00e9 conseguir, com precis\u00e3o, indicar onde possam estar os corpos das v\u00edtimas que estavam no topo da barragem quando ela cedeu. \u201cO deslizamento tem dois movimentos. Um que \u00e9 mais seco e faz com que as pessoas fiquem soterradas e fluidificado, que faz com que os corpos se comportem como boias. O da lama \u00e9 mais fluido\u201d, explicou. \u201cPor esta l\u00f3gica, quem estava em cima, deve ter ficado soterrado. As que estavam mais embaixo, \u2018boiaram\u2019, ficaram mais superficiais\u201d, concluiu. Segundo capit\u00e3o Farah, algumas destas v\u00edtimas j\u00e1 foram localizadas pr\u00f3ximo \u00e0 ITM.<\/p>\n

No dia do rompimento da barragem em C\u00f3rrego do Feij\u00e3o, ele estava de f\u00e9rias, \u201cbarbudo, indo para o clube, com a esposa e os dois filhos\u201d, quando recebeu uma liga\u00e7\u00e3o do comandante avisando sobre o desastre. Ele j\u00e1 sabia: o passeio em fam\u00edlia terminava ali para dar lugar a uma opera\u00e7\u00e3o sem prazo para ter fim.<\/p>\n

Ao chegar em Brumadinho, Farah adotou a mesma t\u00e1tica usada em Mariana. Sobrevoou a regi\u00e3o em busca de sobreviventes ou de locais que poderiam ainda ser atingidos pela lama para auxiliar no deslocamento dos moradores. \u201cConseguimos deslocar todo mundo de Paracatu de Baixo, em 2015, desta forma. Mas, em Brumadinho, quando chegamos, a lama j\u00e1 estava no Paraopeba. N\u00e3o havia ningu\u00e9m mais para retirar antes da passagem dos rejeitos\u201d, lamentou.<\/p>\n

A prioridade passou a ser buscas por sobreviventes. Capit\u00e3o Farah conseguiu retirar um homem, que estava preso ao telhado de casa. O cachorro dele, que latia sem parar, chamou a aten\u00e7\u00e3o dos bombeiros. Segundo Farah, foram 192 pessoas resgatadas com vida naquele dia.<\/p>\n

Deixar a fam\u00edlia para trabalhar em um resgate faz parte da profiss\u00e3o, mas n\u00e3o \u00e9 uma tarefa f\u00e1cil. Capit\u00e3o Farah tem um filho de 12 e outro de 6 anos. De janeiro a mar\u00e7o, quando foi para Mo\u00e7ambique, ele precisou ficar em uma escala de sete dias de trabalho em Brumadinho e sete de folga. \u00c9 a fam\u00edlia que move o bombeiro a acreditar na sua miss\u00e3o.<\/p>\n

\u201cCarrego um peso muito grande de n\u00e3o ter encontrado uma das v\u00edtimas em Mariana. Quando aconteceu de novo, em Brumadinho, me perguntei \u2018quantos nomes que terei que carregar deste acidente?\u201d, afirmou. \u201cPor isso, sempre bati na tecla de ir at\u00e9 o \u00faltimo, at\u00e9 onde tiver possibilidade\u201d, concluiu.<\/p>\n

‘Dever cumprido’<\/p>\n

Naquela sexta-feira, dia 25 de mar\u00e7o, a equipe do tenente Tiago Costa fazia uma reuni\u00e3o de rotina dentro do Batalh\u00e3o de Emerg\u00eancias Ambientais e Respostas a Desastres, quando chegou a mensagem do rompimento da barragem de C\u00f3rrego do Feij\u00e3o, em Brumadinho. \u201cNingu\u00e9m sabia direito a gravidade. Logo, j\u00e1 me coloquei de prontid\u00e3o para deslocar para a regi\u00e3o\u201d, contou.<\/p>\n

Ao chegar \u00e0 barragem, viu o mar de lama que devastou a \u00e1rea administrativa da mineradora Vale e outras casas na regi\u00e3o e percebeu a seriedade da situa\u00e7\u00e3o que estava diante da equipe de resgate.<\/p>\n

\u201cA lama ainda estava descendo. Avisei a central para disponibilizar todas as aeronaves. Nos primeiros minutos, o resgate de v\u00edtimas com vida a p\u00e9 \u00e9 quase zero. Ent\u00e3o, os helic\u00f3pteros come\u00e7aram a pousar no campo da igreja e demos in\u00edcio ao salvamento\u201d, disse.<\/p>\n

Aos 29 anos, tenente Tiago Costa \u00e9 de uma fam\u00edlia de militares. O pai e o irm\u00e3o tamb\u00e9m s\u00e3o bombeiros. No Pelot\u00e3o de Busca e Salvamento de Belo Horizonte, ele j\u00e1 soma dez anos. Atuou no desabamento do pr\u00e9dio no bairro Cai\u00e7ara, na Regi\u00e3o Noroeste de Belo Horizonte em 2011, no desabamento do Viaduto Guararapes, quando a capital sediava jogos da Copa do Mundo em 2014, no resgate ap\u00f3s o rompimento da barragem de Fund\u00e3o, em Mariana, e, agora, em Brumadinho e Mo\u00e7ambique.<\/p>\n

At\u00e9 ir a Mo\u00e7ambique, em 29 de mar\u00e7o, tenente Tiago foi a Brumadinho diversas vezes – intercalava sete dias de opera\u00e7\u00e3o com sete dias de folga. Resgatou cerca de 80 corpos e apenas um sobrevivente. A v\u00edtima, segundo o militar, foi retirada entre a \u00e1rea chamada ITM e os vag\u00f5es que ficaram retorcidos.<\/p>\n

O tenente n\u00e3o teve mais contato com a v\u00edtima. \u201cAt\u00e9 que um dia, o comandante que fez o sobrevoo naquele dia contou que recebeu uma liga\u00e7\u00e3o de um homem, que t\u00ednhamos salvado, tinha ligado para agradecer\u201d, contou.<\/p>\n

\u201c\u00c9 gratificante demais receber este tipo de not\u00edcia e ver que valeu a pena a exposi\u00e7\u00e3o e o risco. Diante de uma situa\u00e7\u00e3o destas, em que \u00e9 mais comum ver \u00f3bito do que pessoas com vida, ter o agradecimento de quem sobreviveu, d\u00e1 uma sensa\u00e7\u00e3o de dever cumprido\u201d.<\/p>\n

Mas o resgate que mais marcou o militar em Brumadinho foi outro. Logo no segundo dia de opera\u00e7\u00f5es, ele se encontrou com um homem sobre os escombros, que procurava pela esposa. Para garantir a seguran\u00e7a daquele homem, tenente Tiago prometeu que s\u00f3 sairia dali ap\u00f3s encontrar a mulher.<\/p>\n

No dia seguinte, os militares localizaram o carro da v\u00edtima, com a chave virada. O marido, ent\u00e3o, contou que a esposa havia escutado o estrondo da barragem e avisou o caseiro e a empregada, que conseguiram sair com vida. Mas ela tinha voltado para buscar o cachorro de estima\u00e7\u00e3o da fam\u00edlia. \u201cEncontramos o corpo dela dois dias depois, abra\u00e7ada ao animal\u201d, afirmou o tenente.<\/p>\n

Lidar com os familiares que aguardam as not\u00edcias de quem ainda est\u00e1 desaparecido \u00e9, para o tenente, uma das tarefas mais dif\u00edceis. \u201cPor mais que a gente n\u00e3o esteja tirando uma pessoa viva, a gente est\u00e1 contribuindo para que seus parentes que ficaram consigam seguir em frente. Conviver com esta ang\u00fastia \u00e9 pesado demais\u201d, declarou.<\/p>\n

Resgate em fam\u00edlia<\/p>\n

O irm\u00e3o mais novo do tenente Tiago Costa tamb\u00e9m \u00e9 do Corpo de Bombeiros e atua na opera\u00e7\u00e3o em Brumadinho desde o dia do rompimento da barragem. Aos 27 anos, tenente Lucas trabalha h\u00e1 nove na corpora\u00e7\u00e3o e \u00e9 um dos respons\u00e1veis pelos c\u00e3es empenhados no resgate das v\u00edtimas. Esta \u00e9 a primeira atua\u00e7\u00e3o dele em um grande desastre.<\/p>\n

Naquela sexta-feira, dia 25 de janeiro, tenente Lucas e os militares respons\u00e1veis pelos c\u00e3es se deslocaram assim que tiveram not\u00edcias da dimens\u00e3o da trag\u00e9dia. Com uma reserva de ra\u00e7\u00e3o, j\u00e1 foram preparados para ficar muitos dias em opera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Quando viu a lama, tenente Lucas teve a certeza da dimens\u00e3o da trag\u00e9dia. \u201cOs bombeiros de Minas Gerais est\u00e3o prontos para atuar diante deste tipo de situa\u00e7\u00e3o. Sab\u00edamos que est\u00e1vamos indo e n\u00e3o voltar\u00edamos t\u00e3o cedo\u201d, afirmou.<\/p>\n

Nas primeiras horas, como ainda havia v\u00edtimas sendo resgatadas com vida, os militares do canil se juntaram aos demais militares nas buscas por sobreviventes. Os c\u00e3es s\u00f3 foram utilizados a partir do segundo dia e, assim que come\u00e7aram as buscas, encontraram, de imediato, tr\u00eas corpos. Ao longo da opera\u00e7\u00e3o, eles garantiram a retirada de pelo menos 70% dos segmentos de corpos, segundo tenente Lucas.<\/p>\n

De acordo com o militar, o c\u00e3o possui cerca de 200 milh\u00f5es de c\u00e9lulas olfativas, o que \u00e9 40 vezes mais que o ser humano. Al\u00e9m disso, o c\u00e3o \u00e9 \u00e1gil e consegue percorrer grandes \u00e1reas com facilidade, o que permitiu que o tempo resposta fosse mais eficiente para encontrar os corpos.<\/p>\n

Assim como outros militares, tenente Lucas ficou dez dias direto na opera\u00e7\u00e3o. \u201cNos tr\u00eas primeiros dias, n\u00e3o dormimos. Trabalh\u00e1vamos durante o dia e, durante a noite e madrugada, prepar\u00e1vamos a opera\u00e7\u00e3o para o dia seguinte, apontando locais onde teriam v\u00edtimas\u201d, contou.<\/p>\n

Quatro meses depois de iniciada a opera\u00e7\u00e3o, tenente Lucas continua indo pelo menos uma semana por m\u00eas a Brumadinho. Segundo o militar, ainda est\u00e3o sendo encontrados segmentos de v\u00edtimas e, por isso, ainda n\u00e3o existe prazo para que a opera\u00e7\u00e3o seja encerrada.<\/p>\n

\u201cPor mais que a gente seja profissional, a gente se envolve um pouco com as hist\u00f3rias, com as fam\u00edlias. A gente tenta planejar a opera\u00e7\u00e3o a cada dia o melhor poss\u00edvel para tentar encontrar as pessoas que est\u00e3o faltando\u201d, disse.<\/p>\n

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