Um estudo que contou com a participação de pesquisadores de vários países identificou um fármaco em fase clínica de testes – o hrsACE2 (ACE2 humano solúvel recombinante) – que bloqueia os efeitos do Covid-19 no início da infecção pelo novo coronavírus.
Uma equipe do Instituto de Bioengenharia da Catalunha (Ibec) na Espanha, liderada por Núria Montserrat, conseguiu decifrar como o coronavírus Sars-CoV-2 interage e infecta células renais humanas. A partir daí, detectou o potencial do fármaco, segundo o estudo, publicado nesta quinta-feira na revista científica “Cell”.
Para realizar os testes, os pesquisadores utilizaram mini-rins desenvolvidos a partir de células estaminais humanas geradas no Ibec pela equipe de Montserrat.
Os organoides, criados por técnicas de bioengenharia, capturam a complexidade do órgão real, o que permitiu aos especialistas decifrar como o vírus infecta as células renais humanas, assim como identificar uma terapia destinada a reduzir a carga viral.
O estudo contou também com a participação de pesquisadores do Instituto Karolinska, da Suécia, do Instituto de Biotecnologia Molecular da Academia Austríaca das Ciências e do Instituto de Ciências da Vida (LSI) da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
– A utilização de organoides humanos nos permite testar muito rapidamente tratamentos que já estão sendo utilizados para outras doenças ou que estão prestes a ser validados. Nesta época de pressão de tempo, essas estruturas 3D poupam drasticamente o tempo que passaríamos analisando um novo medicamento em humanos – explicou Núria Montserrat.
Publicações recentes mostraram que, para infectar uma célula, os coronavírus utilizam uma proteína, chamada S, que se une a um receptor das células humanas chamado ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2). Considerando que esta ligação foi identificada como uma porta de entrada do vírus no organismo, evitá-la seria um alvo terapêutico potencial.
Seguindo esta estratégia, os pesquisadores se concentraram em compreender o papel do receptor ACE2 nos organoides humanos, porque imitam muitas das características dos órgãos reais em poucos milímetros, e assim torna-se possível analisar como o vírus pode infectar os vasos sanguíneos e os rins.
O receptor ACE2 é encontrado não só nos pulmões, como no coração, nos vasos sanguíneos, no intestino e nos rins, o que explicaria a disfunção multiorgânica observada em doentes infectados com Sars-CoV-2, de acordo com Montserrat.
O fato de esse receptor atuar fortemente nos rins e de o Sars-CoV-2 também ser encontrado na urina foi o que levou esta equipe de pesquisadores a utilizar os organoides renais como modelo para os testes.
Em primeiro lugar, os especialistas mostraram que os organoides renais continham grupos de células que exprimem a ACE2 de forma semelhante aos tecidos humanos e, em seguida, infectaram-na com o coronavírus.
Com os mini-rins infectados, os pesquisadores aplicaram terapias diferentes e concluíram que o hrsACE2 (ACE2 humano solúvel recombinante), um fármaco que já passou pelas fases 1 (em voluntários saudáveis) e 2 (em pacientes com síndrome de dificuldade respiratória aguda) dos testes clínicos, inibe significativamente as infecções pelo coronavírus e reduz sua carga viral.
– Estas descobertas são promissoras como tratamento capaz de travar a infecção precoce deste novo coronavírus -disse Montserrat, que também destacou a importância das técnicas de bioengenharia para a medicina do futuro.