Imagine a justiça como um corredor com várias portas. A primeira delas é a auto responsabilização; a segunda porta se abre para a negociação – e por aí vai – até que se chegue ao sistema Judiciário como uma última saída, depois que nada mais deu certo. Segundo a advogada Rissiane Goulart, presidente da comissão de Mediação e Conciliação da OAB Santa Catarina, métodos de resolução de conflitos são uma tendência mundial para a qual os advogados brasileiros precisam se preparar melhor. O argumento foi levantado durante o painel “Mediação e Negociação: uma transformação na resolução de disputas no cenário mundial e nacional”, realizado na noite da última terça-feira, dia 18, pela OAB Camboriú.
O painel foi organizado pelos advogados Jackson Jaques e Rodrigo Fidêncio, que na mesma noite assumiram respectivamente os cargos de coordenador e vice coordenador da nova comissão de Mediação e Conciliação da OAB Camboriú. Além de difundir o tema, a ideia também foi romper com preconceitos que existem contra as medidas alternativas de resolução de conflitos.
A especialista em design de resolução de conflitos Rissiane Goulart, que é mestre pela Escola de Direito da Universidade de Golden Gate e especialista por Berkeley e Harvard (EUA), defende que a maior parte dos advogados brasileiros ainda precisa mudar sua mentalidade. “Na faculdade aprendemos a ir para a guerra, a lutar. Vivemos a cultura do litígio e não aprendemos a cultura da paz, não fomos preparados para a negociação”, analisa.
Ao lado dela no painel estava a advogada Jackeline de Azevedo, que também é especialista no tema. Jackeline atuou como mediadora de conflitos no Canadá. “Lá a mediação é tão comum, que as pessoas têm vergonha de ir ao judiciário”, conta. Ela defendeu a necessidade de o advogado adotar uma mentalidade colaborativa, sem deixar de defender os interesses do seu cliente.
Rissiane e Jackeline acabaram de retornar da maior competição de mediação do mundo, realizada em Paris pela Câmara Internacional do Comércio entre os dias 6 e 12 de fevereiro. Jackeline atuou como observadora e Rissiane como juíza das disputas, que reuniram mais de 500 participantes entre mediadores profissionais, acadêmicos e estudantes. “Foram 150 sessões de mediação, das quais pode se observar a importância do papel do advogado nesse processo”, compartilha Rissiane.
Segundo Jackeline, entre os critérios usados para avaliar os competidores em Paris, estavam o uso que advogados fazem do mediador e a maneira como desempenham seu papel, orientando e defendendo o cliente ao mesmo tempo em que colaboram e buscam entendimento com as outras partes. “A mediação é muito livre, muito criativa. No último fórum mundial da economia, realizado em Davos na Suíça, foi falado das habilidades dos profissionais do futuro. As pessoas vão precisar ser capazes de resolver problemas complexos, ter empatia, saber negociar. Isso vale muito para o advogado”, explica.
Conciliação e negociação para economizar tempo e dinheiro
Os painelistas reforçaram, ainda, o que as pessoas podem economizar em tempo, dinheiro e desgaste emocional quando optam pela conciliação e negociação para resolver seus conflitos. “O tempo é o recurso mais valioso que temos. É um desafio para a advocacia entender isso, porque por muito tempo aprendemos que a briga é sinônimo de qualidade. Mas a experiência nos mostra que mais da metade dos processos longos, custosos e desgastantes que atendemos poderia ser resolvida com um acordo”, defendeu o coordenador da comissão da OAB Camboriú, Jackson Jaques.
Para Rodrigo Fidêncio, a questão que advogados e clientes precisam responder antes de optarem pelo litígio em vez da conciliação é simples: “Quando eu voltar para casa depois da sentença, como vou me sentir?”. O entendimento dos especialistas é que num bom processo de negociação, todo mundo abre mão de algo, mas ao mesmo tempo, todos ganham o que consideram mais importante, com menos danos para a relação entre os envolvidos.
Constelação familiar para resolver conflitos
Outro tema abordado no painel foi a aplicação da constelação familiar para resolver conflitos. Essa forma de terapia sistêmica avalia a relação entre os membros da família, buscando recuperar o vínculo, a ordem e o equilíbrio entre as partes. Jaziel Silveira, consultor e palestrante no tema, explicou como esses três aspectos (pertencimento, ordem e equilíbrio) podem ser percebidos no processo do litígio. Segundo ele, entender a família é a maneira de ajudá-las a resolver não apenas o conflito material, mas também o emocional em que estão envolvidas.
Esse tema não é novidade para a esfera jurídica de Camboriú. A juíza Karina Muller Queiroz de Souza, diretora do foro e titular da 1ª Vara Cível da comarca do município, coordena desde 2017 o projeto “Justiça Sistêmica: vínculos de amor”, que busca estabelecer novas soluções para as relações familiares em conflito. Por meio desse projeto, são oferecidas sessões de constelação e mediação para famílias camboriuenses, além de reuniões, palestras e oficinas com pais e responsáveis legais.
Atualmente, a equipe que atua na 1ª Vara Cível da comarca do município calcula que a maioria dos conflitos familiares no município são resolvidos via acordos, negociação ou conciliação. Segundo a presidente da OAB no município, dra. Maria de Fáthima Santini Teles, isso representa um avanço da cidade em relação ao resto do país. “Temos advogados e magistrados em nossa cidade que pensam à frente e já praticam um Direito que é pacificador e contemporâneo. Isso se reflete nos números de acordos, que são muito superiores a São Paulo, por exemplo, onde a média de acordos homologados não chega a 9%”, comenta a advogada.