Estudo brasileiro aponta que coronavírus pode infectar células do sistema nervoso

Uma pesquisa realizada por um grupo de cientistas brasileiros indica que o vírus da Covid-19 é capaz de infectar células neurais, com alerta de risco para danos no sistema nervoso central dos infectados. Os resultados revelam ainda que mesmo os indivíduos que tiveram a forma leve da doença podem apresentar alterações significativas na estrutura do córtex – região do cérebro mais rica em neurônios.

A investigação foi conduzida por diversos grupos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) – todos financiados pela Fapesp. Também colaboraram pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Estudos preliminares já haviam detectado a presença do novo coronavírus no cérebro, mas ainda não estava esclarecido se o vírus estava no sangue, nas células endoteliais (que recobrem os vasos sanguíneos) ou dentro das células nervosas. O que foi descoberto, conforme explica o professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, pesquisador do IDOR e um dos coordenadores da investigação, Daniel Martins de Souza, é que o vírus de fato infecta e se replica nos astrócitos – células mais abundantes no sistema nervoso central, que desempenham diversas funções, como a regulação da concentração de neurotransmissores, sustentação e nutrientes para neurônios, e que ajudam a proteger o cérebro contra patógenos e toxinas.

Para chegarem a este resultado, os pesquisadores realizaram experimentos com tecido cerebral de 26 pacientes que vieram a óbito devido à Covid-19. De acordo com o professor responsável pelas análises, Thiago Cunha, a presença do vírus foi confirmada nas 26 amostras estudadas. Em cinco delas também foram identificadas alterações que sugerem um possível prejuízo ao sistema nervoso central, como sinais de necrose e inflamação, edema (inchaço causado por acúmulo de líquido) e lesões neuronais. O pesquisador destaca que, por terem tido acesso apenas a uma pequena parte do cérebro de cada paciente, é possível que sinais semelhantes estivessem presentes nos outros 21 casos restantes, mas em regiões diferentes do tecido.

Um outro braço da pesquisa, realizado com pacientes que contraíram o vírus de forma leve e se recuperaram, foi conduzido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Cerca de 81 voluntários passaram por exames de ressonância magnética. As avaliações ocorreram 60 dias após a data do diagnóstico do vírus, e cerca de um terço dos participantes ainda apresentava sintomas neurológicos ou neuropsiquiátricos. As principais queixas foram dor de cabeça (40%), fadiga (40%), alteração de memória (30%), ansiedade (28%), perda de olfato (28%), depressão (20%), sonolência diurna (25%), perda de paladar (16%) e de libido (14%).

Foram incluídas na pesquisa somente pessoas que tiveram o diagnóstico de Covid-19 confirmado por RT-PCR e que não precisaram ser hospitalizadas. As avaliações foram feitas após o término da fase aguda e os resultados foram comparados com dados de 145 indivíduos saudáveis e não infectados.

Pela análise dos exames de ressonância magnética foi possível perceber que algumas regiões do córtex dos voluntários tinham espessura menor do que a média observada nos controles, enquanto outras apresentavam aumento de tamanho – o que, segundo os autores, poderia indicar algum grau de edema.