A um mês das eleições, Trump e Melania contraem Covid-19

Após meses minimizando a gravidade da pandemia de Covid-19, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na madrugada desta sexta-feira que ele e a primeira-dama Melania Trump contraíram a doença. O diagnóstico traz incerteza a 32 dias da eleição presidencial do dia 3 de novembro, dando novo tom à crise sanitária que já matou mais de 207 mil americanos, um recorde mundial.

Trump anunciou o resultado de seu exame no Twitter por volta de 1h (2h, horário de Brasília), horas depois de afirmar que ele e a primeira-dama haviam entrado em quarentena após Hope Hicks, uma de suas assessoras mais próximas, ter contraído a doença:

“Esta noite, a primeira-dama dos Estados Unidos e eu testamos positivo para Covid-19. Vamos começar nossa quarentena e o processo de recuperação imediatamente. Vamos superar isso juntos!”

Sean Conley, médico da Casa Branca, informou em nota que o casal “está bem no momento e pretende permanecer na Casa Branca durante a convalescença”. Ele disse que o presidente poderá continuar a despachar normalmente da residência oficial. Em seu próprio tuíte, Melania afirmou que o casal está se “sentindo bem”. Não se sabe, no entanto, se apresentam sintomas. O teste do vice-presidente Mike Pence deu negativo.

O diagnóstico vem três dias após o primeiro debate presidencial entre Trump e seu rival, Joe Biden. Criticado por aliados e adversários, o presidente adotou uma postura agressiva, interrompendo o democrata em quase todas as suas falas. Dado o caráter caótico do embate, especialistas questionavam se os outros dois enfrentamentos pré-agendados, nos dias 15 e 22 de outubro, seguiriam em frente. Agora, são ainda mais incertos.

Duplamente em risco

Com 74 anos, Trump é considerado duplamente em grupo de risco por estar obeso e ser idoso: oito em cada dez pessoas mortas pela doença nos EUA tinham mais de 65 anos. O presidente costuma resistir a que detalhes sobre seu estado de saúde sejam divulgados, mas supostamente tem colesterol alto e não faz exercícios físicos com frequência. Ainda assim, após um check-up médico no ano passado, Conley, o médico da Casa Branca, disse que o presidente estava com a saúde “muito boa”.

Desde o início da pandemia, Trump desdenha das evidências científicas e das recomendações de autoridades de saúde, como o epidemiologista-chefe do governo, Anthony Fauci. O presidente impulsionou a retomada da economia a qualquer custo, comprou briga com governadores cautelosos e questiona a eficácia de máscaras, raramente as usando em público. Horas antes de ser diagnosticado, disse que “o fim da pandemia estava à vista” e, no debate de terça, ironizou a postura de seu adversário:

— Eu não uso máscaras como ele — disse o presidente, que em nenhum momento se aproximou fisicamente do ex-vice-presidente. — Toda vez que você o vê, ele está de máscara.

Mesmo que Trump não tenha um caso grave da doença, o diagnóstico decerto dificulta suas tentativas de desviar o foco da campanha eleitoral da pandemia. Segundo pesquisas de opinião, a maioria dos americanos crê que a resposta do governo à crise sanitária não é adequada. O simbolismo também pode ressabiar aliados que seguem a risca suas recomendações de manter as escolas abertas e “retomar a vida normal”.

Atrás nas pesquisas, sua campanha intensificou o número de comícios eleitorais, contrariando as diretrizes sanitárias com aglomerações de centenas de pessoas. Na terça, ele negou que os eventos fossem perigosos e ironizou a opção de Biden de não realizar grandes eventos públicos. Agora, no entanto, deverá ser forçado a paralisá-los. Sua agenda do dia, que incluía uma viagem para a Flórida, foi cancelada. Idas ao Wisconsin e ao Arizona, marcadas para os próximos dias, também deverão ser suspensas.

Assessora doente

Ex-diretora de Comunicação da Casa Branca e atual conselheira, Hope Hicks, é a pessoa mais próxima do presidente a ter contraído o vírus. Ela viajou com Trump para o debate presidencial em Ohio na terça-feira e o acompanhou a bordo do avião presidencial, o Força Aérea Um, até Minnesota para um comício na noite de quarta, quando começou a apresentar sintomas, segundo o New York Times.

A condição de Hicks foi relatada em primeira mão pela agência de notícias Bloomberg, que também disse que ela havia sido posta em quarentena no vôo para casa. Funcionários da Casa Branca supostamente souberam na noite de quarta-feira sobre sua infecção, mas nada foi dito à imprensa. O diagnóstico só foi confirmado à imprensa na quinta-feira, durante uma entrevista de Trump ao canal Fox News.

Ainda não sabe quantas pessoas da alta cúpula presidencial, entre as quais o uso de máscaras é raridade, contraíram a doença. O secretário de Estado, Mike Pompeo, afirmou ter tido teste negativo. Segundo o NYT, discute-se a possibilidade de Trump fazer um pronunciamento à nação para assegurar o povo sobre sua saúde.

Trump não é o primeiro chefe de governo a contrair o vírus. Em abril, o premier britânico, Boris Johnson, ficou tão doente que precisou ir para a unidade de terapia intensiva. O presidente Jair Bolsonaro também afirmou ter tido teste positivo, assim como os líderes de Honduras, Guatemala e Bolívia. O príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, também adoeceu.

Por mais que a Covid-19 seja mais mortal que uma gripe comum, a maioria das pessoas que a contrai se recupera. Este foi o caso de diversos funcionários do governo americano que previamente tiveram a doença, como o conselheiro de Segurança Nacional, Robert O’Brien, a secretária de Imprensa do vice-presidente, Katie Miller, e alguns agentes do serviço secreto.

Caso Trump apresente sintomas, no entanto, poderá ficar meses debilitado. A 25a emenda da Constituição americana prevê que um presidente incapacitado tem a opção de transferir temporariamente o poder para seu vice, podendo retomá-lo quando estiver apto.

Desde que a emenda foi ratificada, em 1967, ela foi ativada em apenas três ocasiões: brevemente em 1985, quando Ronald Reagan fez uma colonoscopia; George W. Bush o fez pela mesma razão, em 2002 e 2007. O exame demanda anestesia que deixa o paciente inconsciente por um breve período.

Desde que Reagan foi baleado, em 1981, não se sabe de nenhum presidente que tenha contraído doenças perigosas durante seu período na Casa Branca. O contágio durante epidemias, no entanto, não é sem precedentes: George Washington, durante seu segundo mandato, teve um caso grave de influenza, enquanto Woodrow Wilson teria contraído gripe espanhola durante a pandemia de 1918, impossibiltando sua viagem para os acordos de paz em Paris, no fim da Primeira Guerra.