“Por que todas as nossas praias não podem ser Bandeira Azul?”

Texto de Andréa Luiza Collet e Luciano Moreira – especial

Tinha tudo para dar errado.  Um balneário paradisíaco, onde é fácil justificar que “uma imagem vale mais que mil palavras”, mas com uma densidade demográfica acima do normal, que atrai a cada ano mais e mais turistas, e sem fonte d’água doce capaz de abastecer, sequer, um único bairro da cidade.

Mas, a força e a união de uma miscigenação improvável, fez desse pedaço do litoral catarinense, caprichosamente recortado pela natureza, um dos locais mais aprazíveis, hospitaleiros e tradicionais que se tem notícia.

A pergunta do subtítulo desta matéria foi feita pela estudante Maria Valentina Arantes Leme que, do alto da sabedoria e da experiência dos seus 12 anos de idade, surpreendeu a professora Silvana Leone, coordenadora do Programa Escola do Mar, uma iniciativa da Secretaria de Educação de Bombinhas, com o questionamento tão pertinente.

Sim, Bombinhas tem uma Escola do Mar, afinal, o oceano é o princípio, o meio e o fim do modo de vida da população.  E, sim!  Na Escola do Mar também se fala de rios, de água tratada e de tradições culturais.  Aliás, foi aprendendo sobre a importância de ter água tratada na torneira e serviço de coleta e tratamento de esgoto, que a Maria Valentina formulou a pergunta sobre as praias, pois, como boa aluna, aprendeu que todo rio termina no mar e que não é só a água do mar que define a saúde e a riqueza da população de Bombinhas.

Da água e pela água

Quando falamos em miscigenação improvável, estamos incluindo uma nação tupi-guarani, navegantes espanhóis, colonos ericeiros, cidadãos das ilhas portuguesas do Açores e da Madeira e africanos (estes, lamentavelmente, na condição de escravizados) que moldaram os hábitos culturais e as tradições do povo bombinense, cuja alma foi forjada pela essência do azul profundo do mar, que os fez exímios pescadores, talentosos construtores de embarcações e atentos consumidores de tudo o que o mar pode prover, sem causar riscos ao ecossistema que os abençoa.

Mas, para todo bônus, há um ônus. O crescimento populacional constante, aliado à chegada de milhares de turistas na alta temporada, fez da cidade que vivia da água – salgada – a cidade que buscava por alternativas viáveis de água – tratada. Afinal, Bombinhas, desde a sua emancipação, já detinha uma densidade demográfica muito superior à média brasileira, que é de 28,3 habitantes por quilômetro quadrado– 21 vezes mais, segundo dados de 2010 do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – e, no verão de 2020, o último antes da pandemia de Covid-19, que paralisou o mundo, o território de cerca de 15 mil moradores recebeu mais de 300 mil turistas.

Foto: Andréa Collet

Como colocar água suficiente nas torneiras da cidade e como evitar que o aumento temporário de pessoas colocasse em risco o mar, a sua razão de existir? Um cenário mais sustentável teve início em 2016, quando a empresa Águas de Bombinhas venceu a licitação municipal da concessão dos serviços de abastecimento de água e captação e tratamento de esgoto. 

A primeira medida da empresa foi trazer do Rio Tijucas, que banha o município vizinho, de mesmo nome, por meio de uma tubulação de 27 quilômetros de extensão, água suficiente para suprir a demanda sempre crescente. Entre 2016 e 2022, a universalização da distribuição de água tratada tornou- se uma realidade.  Foram mais de 50 milhões de reais investidos em uma planta de tratamento que, hoje, é capaz de produzir 140 litros de água tratada por segundo.

Com a questão da água ajustada, a coleta e o tratamento de esgoto se tornaram prioridade. Afinal, zelar pela qualidade da água das praias de Bombinhas é tão imprescindível quanto a da água das torneiras que abastecem a população. Condição essa que outorgou às praias de Mariscal, Quatro Ilhas e Conceição a chancela do selo Bandeira Azul. Com rigorosos critérios, a certificação ambiental internacional é renovada a cada ano, considerando 34 itens avaliados, sendo o mais importante, justamente, a qualidade da água.

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A implantação do sistema de coleta e tratamento de esgoto é vital não apenas para a obtenção de uma certificação internacional, mas sobretudo para que os ecossistemas marinho e costeiro se mantenham saudáveis para todas as formas de vida – inclusive a humana. Desde novembro de 2021, a concessionária vem implantando a rede coletora, que já conta com 16 quilômetros de tubulação e uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Até o fim de 2024, a meta é alcançar 154 mil metros de tubulações de coleta de esgotos e 26 estações elevatórias. Desta forma, será possível elevar o patamar atual de 18% das residências conectadas à rede de esgotamento para 100% de cobertura na área urbana. 

Um passo à frente

Esse prazo antecipa a proposta do Objetivo 6 do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas, que almeja, até o ano de 2030, “alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos”, bem como “melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente”.

Foto: Luciano Moreira

E toda ação positiva nesse cenário vai impactar diretamente no ODS 14, que foca na conservação e uso sustentável do oceano e dos recursos marinhos. Numa indissociável conexão, o cumprimento das metas do ODS 6 são vitais para que as do ODS 14 também sejam alcançadas. Até 2025, deseja-se “prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes” – oriundas, essencialmente, das ações antrópicas. 

E a tradição?

Novamente, volta à cena o cotidiano da Escola do Mar. Com um currículo amplo, baseado no letramento oceânico, com as infinitas possibilidades da economia azul, tem como objetivo também valorizar e resguardar a sabedoria ancestral, entre elas a pesca artesanal, que faz parte do cerne da cultura bombinense. Assim, descendentes de tradicionais famílias de pescadores se conectam à riqueza material e imaterial da arte da pesca, ampliam a concepção da importância da conservação e do cuidado de seu território para que outra meta da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, mantenha-se real na Costa Esmeralda: “o acesso dos pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercados”.

Silvana Leone – coordenadora do Programa Escola do Mar

Silvana Leone – coordenadora do Programa Escola do MarE é a própria professora Silvana Leone, já surpreendida pela esperta Maria Valentina, uma das principais promotoras do resgate e pertencimento em relação à cultura e às tradições, que explica: “buscamos conscientizar os alunos da Escola do Mar de que temos que dar oportunidade à vida, e o princípio determinante para isso é a manutenção da possibilidade de o meio ambiente continuar sendo protagonista”.

Completando o raciocínio iniciado pela professora Silvana, o aluno Noah Parmeggiani de Castilhos, de 11 anos, vai além: “se não tratarmos o esgoto, ele vai para a terra, contamina e adoece as pessoas e o meio ambiente”. 

Ou seja, vem da sabedoria inata dos mais novos e da compreensão diferenciada deles, o caminho para que Bombinhas mantenha seus atrativos, sua identidade e seu status diferenciado.

Assim, pode-se afirmar aos alunos do Programa Escola do Mar, em especial aos espertos Maria Valentina e Noah, que, com os esforços coletivos, integrando poder público, iniciativa privada e esse protagonismo juvenil que tem feito diferença – e se tornado referência –, que num futuro não muito distante a sua indagação e a sua assertividade tornem-se um vislumbre de que todas as praias de Bombinhas – que tem 60% do seu território inserido em uma APA (área de Preservação Ambiental) –,  estejam ostentando muito mais do que uma certificação ambiental, quem sabe, exemplos a serem seguidos por todo o planeta. E vocês, da nova geração, tornem-se os verdadeiros guardiões de toda a vida gerada a partir das águas – sejam elas doces ou salgadas.