Coluna de Opinião: Uma reflexão sobre os debates no Brasil

Há algum tempo tenho dado chance para alguns debates, procurando inclusive os temas mais complexos possíveis, para analisar como eles estão sendo conduzidos pela oposição, pelos meus companheiros de causa, e por mim. Busquei analisar quais eram os objetivos que pretendíamos alcançar e se de fato conseguíamos chegar perto de algum deles. Em grande maioria dos casos o que enxerguei foram equívocos gigantescos, em ambos os lados, desde os temas debatidos, até o que se pretendia alcançar no final deles.

Ao imaginarmos um debate produtivo, com opiniões totalmente opostas, pressupõe-se que ambos desejam um resultado mais imparcial possível, onde teríamos benefícios e concessões de ambos os lados, levando em consideração os pontos mais importantes para cada grupo. Em um contexto político, este resultado deve ser direcionado para a produção de qualidade de vida de uma sociedade ou comunidade inteira, e considerando que nos lados opostos teríamos representantes de todas as classes. Sendo assim, após uma discussão com dados verídicos, já analisados, postos em prática em diferentes países e contextos, chegar-se-ia a um resultado que limitaria sim ambos os lados, porém também desenvolveria benefícios para ambos.

Porém, é esse tipo de debate que vem ocorrendo? Não.

Vivemos hoje no país dos ignorantes. O ignorante é aquele que não tem conhecimento sobre determinado assunto, geralmente por não ter se dedicado ao estudo. Todos nós somos ignorantes em relação a algum assunto, ninguém tem conhecimento amplo e ilimitado. O problema é que o ignorante cria fantasias de que ele é uma autoridade para desse modo, opinar e impor algo sobre assuntos que nunca estudou. Um exemplo simples disso é quando o astrônomo diz: “A Terra é esférica”, o ignorante, sem estudo aprofundado do tema, para reforçar uma crença diz: “Respeito sua opinião, mas eu acho que a terra é plana”. Para quem acompanha futebol, consegue notar claramente nas discussões pelo melhor time que os fatos da realidade pouco importam. Quem é fanático distorce os dados e desconsidera outros para que seu time seja sempre elevado a posições acima do que a realidade demonstra.

Hoje vemos pessoas criticando jornais, mas não sabem o que o espaço editorial significa. Tem gente criticando ideologias políticas sem nunca ter tido em mãos um livro que fale sobre o assunto e tenha compreendido de fato quais são seus princípios. Tem gente criticando uma tal ideologia de gênero, que não existe, sem nem saber o significado de ideologia ou de gênero. Tem gente criticando cotas sem nunca ter aberto um livro de história. É hora de aprender a enxergar primeiramente os próprios privilégios, assim como as limitações de conhecimento e compreender que existem muitas bolhas, não apenas a da oposição, antes de abrir a boca para opinar sobre algo.

Nas redes sociais é exatamente esta briga fanática que vem ocorrendo, inclusive alguns consideram como o Fla x Flu político. Um fanatismo desenfreado que já ultrapassou a insanidade em vários casos. A ideia principal de um debate, de produzir conhecimento em busca de um país igualitário e justo já se perdeu a muito tempo. Duas pessoas de lados opostos já não mais analisam os dados do mundo real e tentam chegar a um consenso em conjunto. O que temos agora é a aniquilação de quem tem um posicionamento diferente.

Nota-se uma busca constante pela moral e bons costumes. Um lado claramente contra a corrupção, o que é correto, e o outro lado lutando contra diversos tipos de preconceitos e injustiças sociais, o que considero pessoalmente muito mais relevante neste momento, porém uma causa não anula a outra. O problema é que ambos os lados se consideram moralmente melhor em função do que defendem e então se autorizam a opinar sobre qualquer outro assunto. Desta forma temos uma briga para ver quem é o verdadeiro “cidadão de bem”. No fim, nenhum dos dois. A discussão não pode visar quem é melhor ou pior e sim como resolveremos ambos os problemas. Enquanto essa temática não for modificada, o país não avançará em nada.

Ambos os lados precisam enxergar que não são moralmente plenos, livres de defeitos e que tudo que pregam vai produzir boas ações. Não existem santos, existem aparentes boas intenções em ambos os lados, porém nem sempre as intenções reproduzem boas ações. Como diria São Bernardo de Clairvaux: “De boas intenções o inferno está cheio”. Por exemplo, uma militância desinformada nas redes sociais causa tantos problemas quanto ideias reacionárias.

Para quem ainda tenta argumentar com os ignorantes, trazendo fatos e dados do real, consegue observar o quão profundo estão no mundo de suas fantasias, ou nos piores casos, em seus delírios. Quando estão mergulhados nestas fantasias e delírios, os dados já são suficientes para comprovar a realidade, e como o diálogo não vai existir, partem para agressividade. Desejam acima de tudo que a sua suposta verdade se torne a realidade. Abandonam todos os dados empíricos, e simplesmente passam por cima de tudo e de todos. E, qualquer um que tente argumentar contra as suas crenças se torna um inimigo instantaneamente e deve ser aniquilado. Assim, todos os requisitos necessários para um debate produtivo, procurando beneficiar os que mais necessitam, se perdem.

Parece ótimo se unir a quem defende o mesmo que eu. Porém, chegará o dia, caso nossos debates continuem seguindo este viés aniquilador, onde não existirá mais oposição inicial, mas quando surgirem novos debates, sobre novos problemas, e as opiniões divergirem entre os aliados, é você que se tornará a oposição. Quando este momento chegar, você acha que será ouvido ou aniquilado como fez com os outros?

É bizarro quando observo todos utilizando o conhecimento científico em seu cotidiano, porém o defendendo apenas quando lhe é conveniente. A metodologia cientifica é uma das formas de produção de conhecimento mais humilde que encontrei. Ela se permite testar, errar, e se corrigir baseando-se nas experimentações e resultados obtidos. Ela jamais deveria dar certezas sobre algo, mas sim criar caminhos, ou melhorar os já existentes, para se alcançar a melhores soluções. Negar o conhecimento científico em determinados assuntos, e esquecer que hoje sua vida depende totalmente dele, apenas escancara mais sua ignorância. Ela também não deve ser seguida como detentora de todos os saberes, é preciso ter cuidado e lembrar que o conhecimento científico é usado por sujeitos, que podem não serem éticos.

Precisamos aprender a interpretar os dados. Alguns negam veementemente o conhecimento científico e outros o consideram a lei máxima de todas as ordens. Vejo isso claramente quando uma reportagem põe em seu título que “estudo X tem demonstrando avanços para que tal substância auxilie na cura de tal doença”, na mesma hora os ignorantes já saem berrando aos quatro cantos do mundo que a ciência encontrou uma cura, sem nem ler a matéria.

É compreensível o receio das pessoas pela opinião oposta, crescemos acreditando em quem está ao nosso redor, nas pessoas que nos educaram e que geralmente amamos. Quando um desconhecido indica que quem amamos estava equivocado, é complicado de aceitar, porém é necessário este contato com o mundo real, mas vejo pouco esforço das pessoas para isto. Geralmente procuramos culpados para as nossas inibições, sintomas e angústias e dificilmente nos responsabilizamos por nossos próprios desejos. Se quisermos viver em uma sociedade democrática, não é admissível este autoritarismo. Se for para insistirmos nele, que assumamos então que as diferenças não são de forma alguma aceitas e criemos comunidades opostas, cada qual com seus princípios. Pelo menos assim seremos mais honestos, assumiremos nosso egoísmo e preconceito, levantaremos bandeiras distintas e viveremos em uma guerra sem fim. Ou com o fim de todos.

Precisamos aprender a abrir mão de certos caprichos pessoais para que uma sociedade integrativa de fato seja criada. É ridículo um bilionário, por exemplo, receber fortunas diárias, doar uma parcela miserável em relação ao que recebe, e que é reposta em um único dia, como ato de “caridade”. Porém continuar recebendo reclamações e tendo problemas com leis e práticas trabalhistas, que já são escancaradas a muitos anos, e poucas atitudes são tomadas. Porque não ter um lucro pessoal um pouco menor, investir na qualidade de saúde dos seus trabalhadores, que são de fato quem o enriquece? Será que irá faltar qualidade de vida para este bilionário algum dia antes da sua morte? Eu particularmente duvido muito, porém para os trabalhadores já falta a muito tempo.

Se você possui certezas na vida, possivelmente está fantasiando ou delirando sobre este assunto. Onde existe certeza, não há espaço para dúvida ou questionamentos, existe apenas uma vontade narcísica muito grande. Para que a mudança desta posição subjetiva escolhida pelo sujeito seja possível, ele poderia buscar, caso queira de fato se informar, conhecimentos opostos à sua opinião, saindo de sua bolha social, visitando os locais que critica, ouvindo de fato quem está inserido neles, assim como os especialistas sobre o assunto, e após adquirir novas visões e reflexões dos diferentes ângulos, criar então seu posicionamento sobre aquele tema.

Eu nem diria para sermos mais empáticos, pois a própria empatia é preconceituosa, você sempre vai simpatizar mais com o contexto no qual você está inserido e identificado. Isso é algo compreensível pois você é o que você aprendeu a ser com aquelas pessoas que lhe educaram e passaram os seus próprios valores. Precisamos é de mais respeito. Como Emicida muitas vezes diz: “Cala a boca e escuta irmão!” Falta muito o ato de escutar nas pessoas, não de se colocar na posição do outro, mas escutar a opinião de quem vive aquela realidade todos os dias, e quais são as suas soluções para os problemas daquele contexto. Você não deve querer falar pelo outro, mas sim ajudá-lo a ganhar voz.

Esqueçam os debates nas redes sociais, principalmente você presidente! (Quem sabe um dia ele leia). Não se resolve um país em 280 caracteres. Infelizmente muitos acreditam que as redes sociais se tornaram uma praça de debate, mas na realidade são apenas arenas para gladiadores. Locais repletos de debates vazios, sem objetivos, sem razão, sem realidade, e muitas vezes extremamente agressivo, que busca apenas o cancelamento e a aniquilação dos que não agem de maneira semelhante à nossa. Precisamos lutar por debates produtivos, com profissionais comprometidos com a verdade, com autoridades das áreas, com quem dedicou uma vida de estudos a um determinado assunto, e nos locais corretos, tendo um claro objetivo traçado: o desenvolvimento de um país com menos desigualdades. Se não alcançarmos isso, sabe-se lá o que nos aguardará no futuro.

Carlos Mendonça – Itajaí, 26 de julho de 2020.