Manchas de óleo na camisa, o protesto do Bahia em defesa das praias nordestinas

Nesta segunda-feira, o Esporte Clube Bahia entrou em campo exibindo seu indefectível uniforme tricolor, mas com um detalhe diferente. Para o jogo diante do Ceará, pela 27ª rodada do Campeonato Brasileiro, as camisas dos jogadores estamparam manchas escuras, representando um protesto do clube contra o vazamento de óleo que assola as praias de todo o litoral do Nordeste. O material “manchado” será leiloado pela equipe baiana, com renda revertida para ajudar os trabalhos voluntários de limpeza das praias afetadas por resíduos de petróleo no Estado.

“O problema é seu. O problema é nosso. Quem derramou esse óleo? Quem será punido por tamanha irresponsabilidade? Será que esse assunto vai ficar esquecido?”, questiona o manifesto publicado pelo clube para divulgar a ação. “Um convite à reflexão: o que faz um ser humano atacar e destruir espaços sagrados? O lucro a qualquer custo pode ser capaz de destruir a ética e as leis que regem e viabilizam a humanidade? A barbárie deve ser tratada como tal, não como algo natural.”

As manchas na camisa fazem parte de mais uma iniciativa do núcleo de ações afirmativas do Bahia, o primeiro do gênero no país entre times brasileiros, que já havia lançado campanhas contra o racismo e a homofobia, além de se posicionar a favor da demarcação de terras indígenas. O departamento foi criado na gestão do presidente Guilherme Bellintani, que, dado o impacto ambiental do vazamento de óleo no maior Estado da região, considera uma obrigação do clube se engajar no enfrentamento à mancha que ameaça várias praias do litoral brasileiro. “O Nordeste está vivo e lutando por seus espaços. Das tragédias ambientais à xenofobia, enfrentemos. E o abraço do Brasil nos fortalece”, afirma o mandatário tricolor.

Outros clubes da região, incluindo o Vitória, maior rival do Bahia, se uniram em uma campanha coordenada sob o lema “SOS Nordeste”. Na ação, os perfis oficiais das equipes criticam “o descaso que invade nossas praias. Manchamos nossas mãos, lamentamos pela vida marinha e pela beleza da nossa costa, vimos o avanço [do óleo] com tristeza, mas não medimos esforços para salvar a natureza da nossa região”. Na partida contra o tricolor baiano, jogadores do Ceará subiram ao gramado com luvas pretas, em sinal de consternação pelas consequências do desastre.

Desde o início de setembro, manchas de óleo atingem a costa dos nove Estados do Nordeste. Na última quinta-feira, os resíduos chegaram à Baía de Todos os Santos, a maior da Bahia e do país. O Ibama confirmou a contaminação nas praias de Jaburu, Tairu e Cacha Pregos, que fica em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica —áreas de corais utilizadas por pescadores das comunidades locais. O litoral Sul, onde ficam as concorridas praias de Ilhéus e Itacaré, também foi afetado pelo rastro de petróleo no fim de semana.

A crise propagada pelo desastre ambiental, que ainda não teve responsáveis formalmente identificados, gerou atritos entre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que acusa Governos de Estados nordestinos de omissão, e o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que

rebateu o chefe da pasta federal em uma postagem no Twitter. “Fazer foto e dizer que trabalhou é muito fácil. Deixe de fazer política e trabalhe. O senhor já sabe o que causou esse gravíssimo acidente ambiental? Além de nada, o que o senhor fez? Não quero acreditar em preconceito contra o Nordeste.”

Nesta segunda-feira, o ministro também atacou o Greenpeace, ONG internacional que atua na proteção do meio ambiente, depois de a instituição justificar a impossibilidade de encabeçar trabalhos de despoluição do litoral nordestino por não contar com equipamentos técnicos para limpeza dos resíduos. Salles ainda reafirmou que a fonte do derramamento de óleo é venezuelana, ligada ao “Governo ditatorial comunista de Maduro”, sem, no entanto, apresentar provas de que o vazamento tenha conexão com o Governo da Venezuela, ainda que dois estudos, um da Petrobras e outro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apontem que o material recolhido tem uma composição que se encaixa com a do petróleo cru extraído no país.

Além da repercussão em torno da campanha do Bahia, usuários de redes sociais, sobretudo apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, cobram atitudes de artistas e celebridades que costumam frequentar as praias do Nordeste. Nomes como a atriz Sônia Braga e a apresentadora Bela Gil marcaram posicionamento ao reivindicar mais esforços do Governo federal para limpar as áreas poluídas. O youtuber piauiense Whindersson Nunes publicou vídeos das manchas de óleo em águas litorâneas e, em seu perfil no Instagram, se mostrou indignado pelo fato de os resíduos terem atingido a Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco, segunda maior barreira de recifes de corais do mundo. “Ninguém merece isso”, escreveu o influenciador. “O Nordeste sempre foi receptivo e carinhoso com todos, precisamos das praias limpas pra receber vocês.”