O valor de Alan Turing

A escolha do matemático Alan Mathison Turing para figurar na nova nota de £ 50, com circulação prevista para 2021, é um sinal eloquente da transformação da opinião pública em relação aos homossexuais. Turing foi escolhido oficialmente pelo valor de suas descobertas científicas – sem elas, você não poderia ler este texto, pois não haveria nem computador nem internet. Mas não há como negar a influência de sua tragédia pessoal na escolha.

A equipe e a máquina que montou em Bletchley Park, perto de Londres, quebraram os códigos secretos usados para comunicação pelos alemães na Segunda Guerra e foram essenciais para a vitória dos Aliados. Depois da guerra, foi preso por ser gay e submetido a castração química. Até hoje não há consenso sobre sua morte, provável suicídio cometido aos 41 anos, comendo uma maçã envenenada.

Não fosse essa história dramática – sua contribuição para a vitória aliada foi mantida em segredo até o final dos anos 1970 –, Turing dificilmente teria sido o nome escolhido pelo presidente do Banco da Inglaterra na lista de 12 cientistas, selecionada a partir de 228 mil indicações do público (havia nela os físicos Paul Dirac, Ernest Rutherford e James Maxwell, a geneticista Rosalind Franklin, o cosmologista Stephen Hawking e também dois outros visionários da computação, Charles Babbage e Ada Lovelace).

Desde 1987, quando foi montada na Broadway a peça Breaking the code (Quebrando o código, jogo de palavras com os códigos secretos dos alemães e os códigos sociais), de Hugh Whitemore, Turing deixou de ser um nome conhecido apenas nos departamentos de matemática e computação para se tornar um ícone do movimento gay americano. De lá até O jogo da imitação, blockbuster com Benedict Cumberbatch lançado em 2014 e vencedor de um Oscar, sua fama só fez crescer.

As narrativas biográficas sobre Turing enfatizam seu papel em Bletchley Park, onde criou um dos primeiros computadores com função específica, conhecido como Bombe. Com base nas interceptações de rádio, que sempre iniciavam com horário e temperatura, permitia decifrar os códigos diários alimentados nas máquinas Enigma, que os nazistas usavam para se comunicar.

A partir daí, os aliados conheciam com perfeição os movimentos dos submarinos alemães e protegiam os comboios que abasteciam as ilhas britânicas vindos dos Estados Unidos pelo Atlântico. Não era incomum evitarem agir com base na inteligência obtida, para que os nazistas não descobrissem que os códigos haviam sido quebrados.

A importância histórica de Turing vai além de ter sido essencial para a derrota dos nazistas. Antes de Bletchley Park, ele já era reconhecido como um dos maiores matemáticos de sua geração. Sua principal criação, conhecida como Máquina de Turing, é tão simples que pode ser descrita e compreendida por qualquer um.

Trata-se de uma máquina abstrata com uma fita de papel infinita, girando em torno de um cabeçote. Pode andar para frente, para trás e, ao parar, o lápis no cabeçote pode ou não anotar um traço na fita. Turing mostrou que tal máquina é capaz de realizar qualquer cálculo

matemático que possa ser descrito como uma série de passos sequenciais, tecnicamente chamada de “algoritmo” (eis o sentido original da palavra!). Demonstrou também que não há método capaz de dizer se, alimentada com um algoritmo qualquer, a máquina parará.

A demonstração de Turing, de 1936, era equivalente a um resultado antes obtido pelo lógico alemão Kurt Gödel. Mas era bem mais simples. O raciocínio com base em algoritmos teve impacto profundo nos estudos de lógica e filosofia. A maior consequência prática foi ter inspirado outro matemático, o húngaro John Von Neumann, a formular o modelo que originaria todos os computadores, conhecido como “arquitetura de Von Neumann”.

Durante a guerra, Turing voltou aos Estados Unidos (onde já estudara entre 1936 e 1938) e se encontrou com Von Neumann, àquela altura consultor da equipe que desenvolvia aquele que se tornaria o primeiro computador digital, conhecido pela sigla Eniac. Depois da guerra, Turing se envolveu em projeto semelhante no Reino Unido. Os dois são considerados os pais da ciência da computação. Desde 1966, Turing dá nome ao maior prêmio da área, considerado um equivalente do Nobel.

Turing criou ainda um teste para definir se uma máquina é dotada de inteligência: responder a perguntas aleatórias, de modo a conseguir se passar por um ser humano. Ainda que sujeito a críticas e burlas, o Teste de Turing é um critério adotado até hoje em pesquisas no ramo que se convencionou chamar de “inteligência artificial”.

Em 2013, a rainha Elizabeth II concedeu-lhe perdão oficial pelas ofensas que haviam levado a sua condenação por práticas homossexuais, crime no Reino Unido até 1967. De acordo com o Human Dignity Trust, ainda há leis anti-LGBT em 72 países. Em 13 deles, gays podem ser condenados à morte (pena nem sempre aplicada). A consagração de Turing prova que muito já mudou no respeito aos direitos dos homossexuais – a realidade, que ainda há muito a mudar.

Por Helio Gurovitz